Michel Temer, ministros e parlamentares em pronunciamento após a sanção da reforma trabalhista (Valter Campanato/Agência Brasil).
Paulo Ricardo Opuszka*
A Reforma Trabalhista, alcunha da Lei 13.467/17, que alterou substancialmente direitos trabalhistas no Brasil – frutos das conquistas de trabalhadores e seus respectivos sindicatos ao longo dos séculos XX e XXI –, foi talvez a mais radical das alterações legislativas das medidas neoliberais nos últimos 30 anos.
Num primeiro momento, provocou comemorações em vários segmentos da representação do capital (empresários, industriais e representantes do rentismo) – entre os quais o dos advogados conhecidos no meio trabalhista como patronais. Os principais motivos, numa análise de curto prazo, eram o que se chama coloquialmente de desoneração da folha, possibilidade de crescimento do pequeno empresário, limitação das ações trabalhistas com pedidos genéricos do tipo “pede tudo para ganhar um pouco” e o argumento – que ao longo do primeiro ano se mostrou falacioso – da geração de emprego.
Numa análise desenvolvimentista, do ponto de vista macroeconômico, a conclusão acima pode ser precipitada, tendo em vista a possibilidade de rebaixamento do salário médio do trabalhador, da pauperização dos trabalhadores de menor capacidade de negociação (que teriam seus direitos vendidos por negociações coletivas prejudiciais) e da perda do poder de compra – em especial para aquisição da casa própria – dada a impossibilidade de acumulação de recursos financeiros, antes possibilitada pela poupança forçada através do FGTS e respectiva multa.
Estaria superada mais uma fase do desenvolvimentismo brasileiro? O fato é que a reforma trabalhista causa polêmica desde sua origem. O principal motivo, quase unanimidade dentre os críticos da reforma, é o fato de atingir a estrutura do Direito do Trabalho, ou seja, o seu principal eixo, o Princípio Protetivo ou Princípio da Proteção.
O Direito do Trabalho, baseado fundamentalmente no Princípio Protetivo desde a CLT dos anos de 1940, ou seja, por mais de 75 anos, estaria sendo substituído pelo Direito Regulatório do Mercado de Trabalho. Neste sentido, a estrutura normativa de cunho protetivo abre caminho para a autonomia da vontade e a livre negociação (livre?) entre trabalhadores e empresários.
Dentre as diversas modificações está a possibilidade de parcelamento de férias em até três vezes, extensão de jornada para além da segunda extraordinária, diminuição do intervalo para repouso e alimentação, e a negociação direta dos trabalhadores com as empresas.
Além disso, mudanças estruturantes na figura do empregador (diminuição de responsabilidades na sucessão trabalhista e responsabilidade do sócio, atingindo inclusive o conceito de grupo econômico), bem como a possibilidade, no processo judicial do trabalho, de condenação a honorários de sucumbência ao empregado, quando da improcedência da ação.
O ponto mais polêmico da Lei diz respeito ao financiamento das estruturas sindicais por meio das contribuições. A Reforma Trabalhista pretendia tornar opcional o recolhimento da contribuição sindical anual, componente histórico do fundo público.
A questão é: pode ser facultativa uma contribuição que também compõe um fundo que alimenta o sistema tributário geral e que já foi o fundo de amparo ao trabalhador, retroalimentador do seguro desemprego? Ou seja, pode o trabalhador dispor de valor que forma fundo público, objeto de previsão orçamentária e característica tributária irrenunciável?
Entretanto, mais de seis meses depois da sua vigência, o mesmo Governo goza de inexpressivos 6% de aprovação e não conseguiu emplacar as Reformas Previdenciária e Política. Ainda, empresários e trabalhadores não conseguiram até o momento medir o alcance da Reforma Trabalhista, visto que, inclusive ante ao Poder Judiciário, diversas instabilidades foram causadas.
Do ponto de vista jurídico, cabe destacar que a Reforma já sofreu dois duros revezes: um no Supremo Tribunal Federal, cujo relator, o ministro Edson Fachin, julgou inconstitucional a não obrigatoriedade da contribuição sindical; e outro na 107ª Sessão da Conferência da OIT, que considerou “precarização de direitos” a prevalência do acordado (pactuado entre patrão e empregado nas negociações e convenções coletivas de trabalho) sob o legislado. Segundo o órgão, que ouviu Reclamação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) com o apoio irrestrito das demais Centrais Sindicais, Convenções e Acordos diminuem direitos trabalhistas.
Em meio ao presente cenário, a Reforma Trabalhista, tida por muitos como modernizadora da legislação laboral na própria exposição de motivos da Lei, foi apontada como causadora da rendição dos direitos sociais a ponto de a comunidade internacional e o próprio STF limitarem o seu alcance, julgando uma (dentre muitas) de suas inconstitucionalidades ou determinando que o Estado Brasileiro reveja sua posição de precarizador ou leniente com a precarização de direitos fundamentais sociais.
Parece que ainda persiste a guerra de posição. Oxalá o processo eleitoral reverta a posição de rendição dos trabalhadores brasileiros.
*Paulo Ricardo Opuszka é doutor em Direito pelo Programa de Pós Graduação em Direito da UFPR e professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Universidade Federal do Paraná.