Para uma análise de conjuntura histórica e atual
Marcelo Gonçalves Marcelino*
O debate despolitizado, que envolve as pretensas abordagens progressistas e acadêmicas sobre a cena política brasileira, de maneira geral não submerge nas águas remotas e turvas do interior da construção social da classe dominante e da formação do nosso patronato político. Compreender a política no Brasil passa pela disposição de buscar a origem desse Estado, cujas heranças de terras, distribuição de cargos e honrarias lapidou a ordem estamental ainda vigente. Contexto no qual milhões de brasileiros jamais sairão da sua condição subalterna devido à ausência quase que completa, em muitos casos, das mínimas condições necessárias à mobilidade social e *econômica. Esta situação é forjada pelo capitalismo, mesmo que dependente e estruturado na mentalidade colonial secular subserviente.
O Brasil ousou experimentar adentrar no capitalismo industrial com maior planejamento e vigor na década de 1930 capitaneado por Vargas, se opondo às forças hegemônicas da tríade São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e suas oligarquias de mentalidade ainda escravocrata e servil às bandeiras imperialistas. Mesmo com a denominada Revolução Burguesa no Brasil – livro clássico de Florestan Fernandes, assim como nas transformações ocorridas na economia brasileira ao longo da história nas teses de Caio Prado Júnior e Celso Furtado não conseguimos modificar as estruturas sociais diferentes rumo a um salto mais significativo. Nesse caso vale lembrar a tese do contemporâneo professor Ricardo Costa de Oliveira da UFPR quando afirma que as revoluções de fato não ocorreram, mas sim uma metamorfose das oligarquias tradicionais do arcaico senhoriato, que procuraram se posicionar de acordo as transformações e exigências da nova ordem mundial e das conjunturas políticas domésticas.
Getúlio Vargas governou com pulso firme entre a guerra fria ideológica e a fervescente disputa imperialista que culminou na segunda grande guerra. Acirraram-se as disputas internas pelo projeto de nação em plena ebulição catastrófica mundial e a correlação de forças se estabeleceu no preâmbulo do Estado burguês. A incipiente social democracia ainda na fase embrionária capitaneada pelo PTB de Vargas conseguiu, mesmo que de forma institucional, avançar algumas políticas públicas sociais e de infraestrutura, sobretudo com um salto nacionalista quanto à política de petróleo através da construção da Petrobrás em 1953.
Quando a política posicionada no espectro a direita das conformações burguesas transnacionais não conseguiram derrotar Vargas através de campanhas difamatórias e acusatórias, seguiram-se uma década após a solução suicida de Getúlio, para enfim implementar uma ditadura civil militar como uma solução para a construção de um Estado controlado pela burguesia com o aval do imperialismo estadunidense. Naquele período muitos não compreenderam a verdadeira face da luta política no sentido mais enraizado da luta de classes, isto é, muitos governos não são exatamente, ou longe disso, a representação social da maioria dos anseios da população, mas, trata-se de compreender as forças progressistas e retrógradas em um dado momento histórico para que não sucumbamos às forças mais conservadoras e reacionárias.
Em um dado momento histórico, Vargas, João Goulart, Brizola e até mesmo Juscelino cumpriram o papel político na defesa de certos princípios constitucionais, mesmo que no plano institucional do republicanismo. Naquela oportunidade muitos pagaram o preço com o exílio e com a própria vida, inclusive esses citados, por representarem um avanço no que tange a construção de um Estado desenvolvimentista relativamente autônomo com base na teoria keynesiana. As lutas políticas macroestruturantes necessitam dessa compreensão mesmo que interior da dinâmica estrutural do capitalismo. Se o desenvolvimentismo reproduz a ordem burguesa no capitalismo o liberalismo rompe de vez com qualquer avanço social.
Se navegarmos para 2013, novamente iremos assistir o encontro da luta política na sua macroestrutura. Com atores da burguesia nacional, que lapidaram seus capitais ao longo das gerações, combinados com uma classe dominante emergente, de elites políticas e econômicas recém forjadas nas entranhas do poder, advindas da ditadura e da própria redemocratização como janela de oportunidades as novas facções da classe burguesa. Esse grupo, recém fundado a partir dessa janela de oportunidades, galgou posições a partir da fórmula tradicional das conciliações e dos serviços prestados e agora estão prontos novamente para abraçar o imperialismo capitaneado pelo grande tigre assustado pela crise de 2008 – EUA – e o avanço da Rússia e da China como atores globais relevantes.
As novas tecnologias da informação e da comunicação estão a serviço desse grande conluio internacional organizado pelos EUA e reverberado muitas vezes a contragosto pelas forças da OTAN. O aburguesamento de parte da classe operária, não mais no sentido clássico, mas ainda no sentido de explorados somada à inoperância dos partidos de esquerda e seus sindicatos de base, que em parte não perceberam o grande golpe, repleto de engrenagens da guerra híbrida advindos de grupos externos e dos próprios aparelhos internos de Estado e por outro lado sentiram-se desafiados apenas devido aos interesses eleitoreiros de momento.
Situações que envolveram o denominado “mensalão”, com a condenação e a prisão sem provas de muitos políticos do PT, a operação “Lava Jato” com suas incursões golpistas combinando Ministério Público, Polícia Federal e o próprio STF, além da farsa do Impeachment da presidenta Dilma e da condenação e posterior prisão do maior líder popular do país mesmo assim não foram suficiente para que grande parte da esquerda compreendesse a luta de classes nas suas entranhas.
Os arrivistas de plantão e ocasião estavam imbuídos apenas do caráter eleitoreiro mesmo que o país estivesse mergulhado num golpe de Estado e as eleições comprometidas com diversas fraudes, sendo a maior delas a proibição de Lula de concorrer ao pleito presidencial. Com tudo isso, a esquerda brasileira capitaneada pelo PT resolveu combater toda essa estrutura apenas nas esferas do voto contra um inimigo mais poderoso e articulado. Somente o cabedal político de Lula com seu estofo popular poderia combater o inimigo interno e externo dessa avalanche imperialista neoliberal, mesmo que de uma forma conciliatória. Era justamente esse custo que a classe dominante não gostaria de arcar nesse momento e é por isso que o aparato judicial legítimo, amparado por uma grande mídia convincente, tratou de empreender sua força coercitiva ao extremo no bojo do grande golpe; prender Lula e conter a democracia.
Não se trata de defender Lula com seus erros e acertos históricos, mas sim compreender que as disputas no Brasil necessitam de uma representatividade social, legitimada pela população, com uma linguagem em que historicamente os excluídos percebem que a luta está na raiz dos primórdios onde o estamento e as classes sociais são meros conceitos se comparados à compreensão do seu lugar de origem.
*Marcelo Gonçalves Marcelino é economista, sociólogo e cientista político pesquisador do NEP – núcleo de estudos paranaenses e membro do NESEF – núcleo de estudos da educação filosófica ambos da UFPR, além de coordenador da ACD no Paraná – auditoria cidadã da dívida pública brasileira.