Meri Tochetto Cardoso*
- Introdução
Este artigo tem por objetivo refletir sobre o desmatamento na Amazônia e um de seus desdobramentos, que são as queimadas, sob o aspecto político e econômico. Nele não se aprofunda a questão por exemplo, dos conflitos que envolvem os povos que vivem na floresta ou nas áreas rurais, em face dos grandes proprietários, grileiros de terra ou mineradores ilegais. Entendo que esse tema ensejaria outro artigo, tamanha a complexidade que envolve a questão.
A pretensão aqui é refletir sobre as forças empresariais e políticas que atuam especialmente no Brasil, seja a serviço do capital internacional, seja a serviço dos interesses das nossas elites agrárias. Por isso, a intenção é iniciar um mapeamento de algumas falas ou discursos de pessoas que estão em posições de poder, como o presidente da República por exemplo e, a partir delas, compreender qual a mentalidade que envolve a (des)proteção ambiental em voga hoje no Brasil.
Os atores escolhidos para demonstrar os interesses que cercam a questão agrária e ambiental brasileira, foram os congressistas conhecidos como a “bancada ruralista”, considerando-se que existe uma gama muito maior de atores e forças que precisam ser considerados para analisar a questão a fundo. Mas, a escolha pela bancada se dá pela forte representatividade que a mesma possui em todas as esferas de poder hoje existentes e pelo fato de que, saída dos seus quadros, temos hoje a ministra da agricultura, Teresa Cristina, que foi nomeada pelo presidente Bolsonaro. Somente este fato já nos dá uma indicação sobre a necessidade de olharmos com cuidado para esse grupo político, ao pensar na questão ambiental.
- O desmatamento como uma consequência das escolhas políticas das elites agrárias brasileiras.
A Amazônia constitui fonte de mobilização em todo o mundo. Isto se dá por alguns motivos, como por exemplo, o fato de que ela é a maior floresta tropical do planeta abrigando uma grande biodiversidade, que é o motivo mais conhecido. É sabido por todos, por exemplo, que são mais 40 mil espécies de plantas e 300 espécies de mamíferos, que vivem em aproximadamente 4 milhões de quilômetros quadrados de florestas densas, segundo o ICMBio[1].
Alem disso, a Amazônia é uma grande reguladora do clima do mundo, especialmente da América do Sul e do Brasil, e quando ocorre o desmatamento, essa regulação é afetada pela emissão de gases que formam o efeito estufa e modificam o clima, causando efeitos extremos como secas ou no lado oposto, enchentes e alagamentos.
Recentemente, vários noticiários produziram extensas matérias sobre as queimadas ocorridas na Amazônia, especialmente no mês de agosto, o que mobilizou entidades e governos, principalmente europeus, pela necessidade do combate às chamas, ao desmatamento e devastação da vida.
Algumas considerações são importantes ao pensarmos nesse dado, e não se trata aqui de entrar no debate sobre empresas estrangeiras que têm negócios no Brasil. Interessa refletir sobre o arranjo de forças políticas e econômicas brasileiras que concorrem para os eventos que cercam a devastação do meio ambiente na Amazônia.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o mês de setembro de 2019, viu o desmatamento aumentar consideravelmente, em comparação com os índices para o mesmo mês, em anos passados. Foram aproximadamente 1 mil quilômetros quadrados de floresta devastada em um mês. Um número 58% superior ao mês de setembro de 2018[2]. Já com relação às queimadas, elas se intensificaram no mês de agosto deste ano, mas não são a causa do problema. Elas constituem um desdobramento de algo maior, que é a necessidade de desmatar para produção agrícola e pecuária.
Como determinadas regiões da Amazônia são espaços de produção agropecuária e minerária em larga escala, elas são passiveis de apropriação por setores da economia, que julgam que as queimadas e o desmatamento se justificam pela lógica da apropriação da terra e dos seus frutos. É a ideia da terra como mercadoria, que vai na contramão do preceito constitucional que a define, de acordo com o cumprimento da sua função social.
Nesta onda de desmatar para produzir, segundo relatório do Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP)[3], pelo menos 125 mil hectares de floresta, foram desmatados no início deste ano e queimados meses depois, para o plantio de soja e a criação de gado.
Mas, é preciso lembrar que as queimadas e o desmatamento não são algo novo na Amazônia. Tradicionalmente, os povos da floresta, os ribeirinhos, indígenas e camponeses necessitam preparar a terra para a plantação das roças, construção das casas e malocas, por exemplo. No entanto, quando se fala em grande devastação da cobertura vegetal daquela região, não é aos pequenos agricultores e indígenas que devemos voltar os olhos, mas sim, ao modelo de agricultura capitalista e extensiva, representada por alguns setores do agronegócio e da política brasileira, além das consequências das suas atividades de agricultura, pecuária e mineração, que trazem impactos diretos para a região.
Setores econômicos filiados ao agronegócio, como plantio de soja e criação de gado, naquela fronteira agrícola, são grandes interessados em terras amazônicas[4], e consideram que a sua utilização de forma extensiva é o que impulsiona a economia do país, para a frente. Assim, se justificaria o desmatamento e seus desdobramentos, como as queimadas e outros.
Se analisamos os discursos de políticos e grandes empresários fica simples o entendimento dessa questão.
Por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro, ao discursar na cerimônia de abertura da Assembleia Geral da ONU, no dia 24 de setembro, se colocou como um incentivador da atividade produtiva na região amazônica, inclusive em regiões de reserva legal e indígenas, partindo de um viés integracionista, e afirmando que o “índio” precisa fazer parte da sociedade, através da exploração das riquezas naturais existentes nas terras destinadas à proteção dos povos indígenas.
As reações a esse posicionamento foram as mais variadas, e não cabe aqui aprofundar o debate em torno desse tema. Mas sim, interessa neste artigo, observar como os setores mais conservadores do agronegócio e da política brasileira, reagiram à fala do presidente para ponderar até que ponto ela está em concordância ou não, com o modelo de agricultura que assola a Amazônia hoje.
Em primeiro lugar, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que congrega os principais e maiores produtores da agropecuária brasileira emitiu uma nota afirmando que “o presidente conseguiu posicionar o Brasil na ONU. Defendeu a soberania nacional, esclareceu equívocos sobre a Amazônia e ressaltou o importante papel do Brasil na produção mundial de alimentos e na preservação do meio ambiente. Também afastou a tese de que o governo está colocando o mundo contra o agro brasileiro, defendendo não apenas o setor, mas toda a nação”[5].
Já a APROSOJA Brasil, que representa os produtores de soja disse que “O discurso foi excelente, mostrando que aqui tem sustentabilidade, que tem que ter sustentabilidade econômica e ambiental. Além de outros assuntos que foram colocados, como ideologias partidárias e socialismo, que nós também concordamos. O discurso veio ao encontro do que nós pensamos ao colocar o presidente para ser gestor do nosso Brasil”[6].
Finalmente, a Frente Parlamentar para a Agricultura (FPA), mais conhecida como Bancada Ruralista, também se colocou em apoio ao presidente Bolsonaro, através do deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS): “As questões comerciais [do agronegócio] são mais ligadas à segurança alimentar do que ao viés ideológico. Cabe a nós continuarmos produzindo com transparência e diversificação […] Ele [Bolsonaro] quis botar um ponto final em relação à soberania da Amazônia. Ele manteve seu patamar ideológico e quis falar [também] sobre a questão da liberdade econômica”[7].
É interessante perceber que dos três posicionamentos podemos extrair elementos comuns, tais como: a ideia de que a utilização das terras amazônicas por “produtores brasileiros” são sinal de soberania; a defesa da chamada “liberdade econômica” e do empreendedorismo como sinônimo de economia em expansão; a necessidade de se combater ideologias partidárias que se coloquem contra a economia nacional integrada à globalização e financeirização da terra.
Mas, de todos os setores que se colocam na defesa do agronegócio, a proposta deste artigo é pensar com cuidado na bancada ruralista, já que ela é a ponta de lança da defesa dos interesses do agronegócio no Congresso Federal, foi apoiadora da eleição do presidente Jair Bolsonaro, e a atual ministra da agricultura, a deputada federal Teresa Cristina (DEM/MS), faz parte dos seus quadros.
Por isso, defendo que o debate sobre a questão do meio ambiente na Amazônia, precisa necessariamente passar pelo entendimento do que significa ser bancada ruralista e quais são os métodos e estratégias utilizadas por ela para defender os interesses dos grandes proprietários rurais.
De acordo com o Glossário de Termos Legislativos do Congresso Nacional, a bancada parlamentar é definida como um “agrupamento organizado de parlamentares, que pode estar previsto regimentalmente ou baseado em pautas ou interesses. Por exemplo, costuma-se chamar de bancada o grupo de parlamentares de uma determinada região (bancada nordestina) ou aqueles que representam determinados interesses (bancada ruralista e bancada evangélica)[8].
Logo, a existência de uma bancada que defenda os interesses de uma determinada parcela da população, ou de um setor econômico como o agronegócio, é algo previsto e aceito como legitimo pela política nacional. Por isso, nada impede a reunião de parlamentares que têm como concepção de mundo a supremacia do patronato e do capitalismo agrário.
O que chama a atenção nesta bancada em especial, são os valores que ela encampa e os métodos utilizados para a imposição da sua agenda legislativa, no Congresso Nacional.
Este grupo político tem raízes na constituinte da década de 1980, ainda no período da Assembleia Nacional Constituinte. Mas, tendo em vista a sua concepção de mundo, foi atraindo mais e mais deputados e senadores, chegando a partir do ano de 2008, a pleitear cadeiras nas comissões do Congresso Nacional, tendo como principal foco de combate as ONGs que atuam na defesa dos direitos humanos e da natureza, bem como os povos tradicionais como quilombolas, indígenas, ribeirinhos e faxinais.
A bancada que hoje é composta de quase 300 congressistas e se espalha por quase todos os partidos, se utiliza de várias estratégias que visam ampliar a sua rede de influência com a intenção de integrar-se cada vez mais na globalização, processo que está alicerçado na ideia de integração de capitais. Essas estratégias envolvem participação ativa em todas as esferas dos governos estaduais e federal, além de ligação com os mercados, nacionais e internacionais. Politicamente, atuam fortemente em emendas constitucionais, instalação de CPIs e alteração dos textos de lei, através dos chamados contrabandos legislativos ou “jabutis”.
Assim, a bancada ruralista se constitui em um importante alicerce do agronegócio brasileiro que vai se inserindo cada vez mais nas esferas de poder e também no mercado financeiro, que é um mercado global, através da tomada dos territórios que passam a ser utilizados para a produção agropecuária em larga escala, favorecimento da produção e da mercantilização da terra.
Considerações finais
Brasília faz eco na questão agrária e ambiental da Amazônia, através dos discursos do presidente que diz que “o problema não é o indígena ou a árvore, mas o minério”, se colocando em posição de defesa da soberania nacional. Mas devemos nos perguntar: defesa para os interesses de quem?
Também faz eco através de um Congresso Nacional como instância de reprodução política dos grandes proprietários de terra e empresários rurais e agroindustriais, no qual o interesse privado frequentemente se reverte em bem público, e as reivindicações dos grupos dominantes se transformam em leis e em objeto de políticas públicas” (BRUNO, 1997). Ou seja, um Congresso Nacional como o lugar privilegiado de exercício do poder e da violência simbólica.
Ultrapassar a colonização da natureza e dos povos que vivem na Amazônia, portanto, significa compreender e fazer frente a este habitus que é marcado por normas e valores que são internalizados pelo sujeito e se tornam medida de verdade, reproduzindo relações de poder e de dominação, através da legitimação dos atores, como por exemplo, os da bancada ruralista que passam a ter seus atos legitimamente aceitos pela sociedade como vindos de pessoas que têm autoridade e conhecimento suficientes para produzir ou modificar legislação ambiental.
Referências Bibliográficas
BRUNO, R. Senhores da Terra, Senhores da Guerra. A Nova Face Politica das Elites Agroindustriais no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
MENDONÇA, S. R. D. A Hegemonia do Agronegócio no Brasil. Espaco Plural, São Paulo, v. 24, n. Ano XII, p. 26-37, 1º semestre 2011.
REGINA BRUNO, JANAINA SEVÁ, OLAVO CARNEIRO. Agronegócio e Representação de Interesses. In: BRUNO, R. Um Brasil Ambivalente: agronegócio,ruralismo e relações de poder. Rio de Janeiro: Mauad, 2009. p. 131-158.
[1] https://oglobo.globo.com/sociedade/entenda-por-que-amazonia-mobiliza-mundo-23902424
[2] https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/10/01/alertas-de-desmatamento-na-amazonia-em-setembro-ja-sao-o-dobro-da-media-dos-ultimos-4-anos.ghtml
[3] https://maaproject.org/2019/fuegos-deforest/
[4] https://www.brasildefato.com.br/2019/09/30/campeoes-de-desmatamento-e-queimadas-na-amazonia-sao-dominados-pelo-gado-e-pela-soja/
[5] https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Politica/noticia/2019/09/presidente-da-cna-elogia-discurso-do-bolsonaro-na-onu.html
[6] https://canalrural.uol.com.br/radar/agro-representado-discurso-bolsonaro-aprosoja/
[7] https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/09/24/para-setores-do-agronegocio-discurso-de-bolsonaro-esclareceu-equivocos-sobre-a-amazonia-e-nao-deve-prejudicar-exportacoes.ghtml
[8] https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes/glossario/-/definicoes/lista/B
*Meri Tochetto Cardoso é filósofa, advogada e doutoranda em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade CPDA/UFRRJ.