Luiz Carlos Rocha*
Parece não haver mais possibilidade de alternativa para o segundo turno que não seja o embate entre Haddad e Bolsonaro, no qual as coisas se encaminhavam para uma guerra de ódio. As manifestações do #elenão, no sábado (29/09), no entanto, deram uma reorganizada no debate eleitoral, cuja extensão não está bem clara ainda, mas promete ficar.
Uma brisa com sol em meio à tormenta. Explico! Até aqui o que estava sendo desenhado era o mesmo embate de 2014, o tal “nós contra eles” que a elite não gosta nem de ouvir falar: o PT dos pobres contra o PSDB dos ricos, o Sul contra o Nordeste. Das quatro eleições que o PT venceu, é justamente a de 2014 que mais encarna esse sentimento, pois foi um processo em que a população com renda abaixo de dois salários mínimos, defendendo suas conquistas, foi fiel a Dilma; e a população acima de dez salários mínimos, com a sensação de estar perdendo alguma coisa, foi de Aécio. Foi o pico da dicotomia PT x PSDB, quase que um bipartidarismo que perdurava desde 1994, quando FHC abateu Lula no primeiro turno. As manifestações do #elenão estão fora dessa lógica. Foram manifestações expressivas, mas claramente de classe média, com suas pautas bem específicas.
A resistência à ditadura foi exatamente assim, nasceu em setores da classe média e neles cresceu até se tornar o movimento popular das Diretas Já, amplo, com todos os segmentos da sociedade, cujo ponto de encontro era a restauração da democracia. A disputa entre Haddad e Bolsonaro estava caminhando para o tal “nós contra eles”, de Dilma e Aécio, e o movimento do #elenão criou um ingrediente fora dessa lógica, para se parecer mais com o que foram as Diretas Já, uma arca de Noé de todos contra a ditadura. Parece que teremos um amplo arco social se formando contra o que representa Bolsonaro. É aguardar e conferir.
Até aqui é importante assinalar que a campanha de Haddad se concentrou em atrair o eleitor de renda abaixo de dois salários mínimos, cuja pauta é comida na mesa, emprego, salário, oportunidades de acesso à moradia e à educação, pois essas são as preocupações do eleitor do Lula e a garantia de ida ao segundo turno, sem ênfase para a questão da democracia e dos Direitos Humanos (embora não haja nada mais relacionado aos Direitos Humanos do que a fome). Nesse sentido, Haddad prega acertadamente para consolidar seu exército de eleitores convertidos.
Tal como Aécio, Bolsonaro prega para o setor da sociedade anti-PT, agregando falas mais duras sobre a segurança pública, com o recrudescimento da lei penal para a repressão ao crime, a liberação do armamento, a anti-política, o ataque ao standart dos Direitos Humanos usando a ética moralista de combate nas questões comportamentais, com falas provocativas às mulheres, negros e índios, sem nenhuma preocupação e até mesmo com desdém à questão da democracia. É um discurso que perde e ganha: ganha eleitores por um lado e perde por outro, pois democracia e Direitos Humanos são pautas caras para a classe média mais instruída que não odeia a esquerda e que dificilmente ficará com Bolsonaro, mesmo não tendo simpatia pelo PT.
Já, a pauta do #elenão é só democracia e Direitos Humanos. Ao cabo e ao final vai beneficiar Haddad no embate contra Bolsonaro. No segundo turno, além da pauta que já carrega para fomentar no eleitor de renda abaixo de dois salários mínimos a boa lembrança dos governos Lula, usando corretamente a imagem do ex-presidente, Haddad vai agregar ao seu discurso a defesa dos Direitos Humanos, da pluralidade e da democracia e, assim, irá mais firmemente ao encontro do que preconiza o movimento #elenão.
Tudo isso poderá levar a sociedade brasileira a um acerto de contas inédito. Desde o fim da ditadura, a direita que brigou pela sua permanência e perdeu o seu núcleo duro, truculento e tosco submergiu, e a impressão que se tinha era a de que no Brasil não existia direita. Com o governo FHC e depois com o PT no Planalto o PSDB foi para a centro-direita e absorveu todo o campo da direita, sem ter que assumir suas pautas.
A direita truculenta, irritada com os Direitos Humanos e que agora emerge com Bolsonaro, estava órfã e tem finalmente a oportunidade de vir a público e apresentar-se, dizendo que a democracia é fraca e que permite que a sociedade se degrade nos seus costumes, que é preciso energia do Estado para acabar com a “anarquia”, e, assim, ser julgada nas urnas, pois a Lei da Anistia a livrou do banco dos réus.
Haddad vai ter que abrir o seu discurso, talvez vez já no primeiro turno, para além da questão econômica, da refeição três vezes ao dia, do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida, das cotas, do financiamento estudantil e das oportunidades para os pobres, para incluir os temas da democracia e dos Direitos Humanos relacionados à questão comportamental, com os temas das mulheres e a pauta identitária, que é o que o #elenão está trazendo das ruas para a eleição.
Não há como saber de que forma Bolsonaro vai enfrentar isso.
É o embate a que vamos assistir.