SET/18: Eleições, ingenuidade e cegueira

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Em quem você vai votar?

Pergunta errada.

Respondê-la, nesse caso, legitima a má fé dos que a propõem. É assim que caminhamos para confirmar, na urna eletrônica, a aceitação do golpe de 2016 e seu legado de usurpações, fazendo de conta que a democracia brasileira não virou cinza.

Abusos de todo tipo e um cinismo político que rompeu há muito a barreira da honestidade intelectual procuram manter o circo eleitoral insistindo na pergunta vencida. Porém não se trata mais de discutir em quem votar, a qual proposta oferecer apoio, a qual partido dar preferência. Trata-se de enfrentar de uma vez por todas a pergunta real:

Qual é o sentido de uma eleição em um sistema construído para eternizar, com o recurso de todas as violências e farsas, sua pleistocênica estrutura? Por que motivo nos deixaríamos conduzir para a cabine de votação, cegos e surdos e principalmente mudos, quando as opções de voto são exclusivamente aquelas que o mesmo sistema autorizou? Vamos votar? Fazer de conta que não estão Executivo, Legislativo e Judiciário e bancos e outros exploradores mancomunados em um projeto de auto sustentação, desligados do povo e dele protegidos pelo aparato policial e midiático?

Acaso não entendemos ainda que a democracia como a conhecemos virou pó, e que esse fenômeno que se agudiza na América Latina é crônico em todo o mundo capitalista? A rotina de votar, como se as escolhas políticas se limitassem à opção entre propostas administrativas, não dá mais conta das contradições explosivas que comprimiu por décadas.

Nesta edição, procuramos apresentar algumas visões sobre a estrutura da estranha catedral que começa a ruir.

CRISE DA DEMOCRACIA LIBERAL – Análise de Ruptura, a crise da democracia liberal, o trabalho de Manuel Castells que disseca a quebra da relação entre governantes e governados e a deslegitimação da representação política. “Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação e governança.” Por Adalberto Fávero.

ELEIÇÕES E INGENUIDADE – Entrevista com o jornalista Ivan Seixas, preso político na ditadura militar e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade. “O capitalismo é essencialmente excludente e discriminador, pois essa é a justificativa para garantir a exploração capitalista. Só uma transformação social completa, que retire o poder de discriminação dessa exploração capitalista garantirá a possibilidade de termos uma sociedade justa e igualitária. Direitos Humanos são contraditórios com a exploração capitalista.”

O LEGADO DE CÓRDOBA – No centenário da revolta que moldou o movimento estudantil na América Latina confirma-se a atualidade da luta por uma Universidade gratuita, democrática, autônoma e que sirva aos interesses do povo. Córdoba é a demonstração de que só a luta é capaz de mudar a realidade e de que  estudantes e trabalhadores, quando devidamente organizados e dispostos a lutar, podem conquistar tudo. Artigo da organização estudantil Alvorada do Povo.

ESCOLA SEM PARTIDO – A realização deste eixo de luta é proposta de forma absolutamente imoral: varrer os conteúdos morais das disciplinas obrigatórias. É dizer que a escola deve ser amoral, que os conteúdos das diversas disciplinas devem ser submetidos a uma lupa amoral, que não se há de discutir os fundamentos ético-morais dos conteúdos das ciências. É a própria apologia imoral da amoralidade. Por Lígia Klein, Bianca Klein e Tatyana M. K. Tartosievicz.

EXPLORAÇÃO OU RETOMADA – O desenvolvimento, resultado da relação entre o Estado e os sistemas produtivos nacionais – que geram capacidade manufatureira e criam empregos e salários, impulsionando o crescimento do mercado interno de consumo – perde encanto econômico e político. O Estado regulador da distribuição do produto social, que visa minimizar a desigualdade e gerar coesão social, está em desuso. O comando agora é feito por uma grande concentração do sistema financeiro, pela ampliação da centralização da propriedade e a reorganização da estrutura produtiva. As democracias devem ser suportadas e, para isso, precisam ser controladas. Por Clemente Ganz Lúcio.

UM TESTE – As eleições acontecem em um momento em que o discurso antidemocrático e autoritário surge como escolha para uma parcela significativa dos eleitores, que identifica nele uma opção antissistêmica. A ausência de uma cultura política capaz de, entre outras coisas, fortalecer a confiança na democracia mesmo em um contexto de crise – e como uma alternativa a ele –, criou as condições para o seu contrário: independente de quem seja o vencedor em outubro, há o risco de que a democracia seja a grande derrotada. Por Clóvis Gruner.

CEGUEIRA SARAMAGUIANA – Quem vê, é quem percebe a crueldade do capitalismo e não aceita viver nesse mundo sem esperança. Já os cegos transformam-se, virando-se uns contra os outros, acabando por mostrar as faces mais sombrias do ser humano. A cidade vai se transformando num caos de destruição humana, onde cada cego luta pela sua sobrevivência, entregando-se de tal forma ao desespero que acabam por abandonar qualquer traço de humanidade. Por Eloy Fassi Casagrande Júnior.

CREMAÇÃO DO MUSEU NACIONAL – Em dias em que a mesma cidadela é assaltada pela ocupação militar, na alegada proposta de combate ao crime, em meio aos tiroteios diários nas favelas urbanizadas, o fogo destrói o Quinto maior Acervo Histórico do Mundo, levando parte da história e da cultura brasileira, seus significados e suas simbologias. Por Valquíria Prochmann.

REIS DO AGRONEGÓCIO –  Revolução é transformação verdadeira e efetiva de estruturas, das econômicas às sociais, de distribuição justa de terras e de riquezas entre os que de fato a constroem. Então é preciso identificar quais projetos políticos trazem em si esse potencial de promover ações transformadoras, que somente são efetivas se emanam da força popular organizada em movimentos legítimos e por ela são respaldadas. A obra de Chico César analisada por Martinha Vieira.

 

Ilustração desta página: Fera que vive de vento, de Frei André Thevet. Domínio Público.