André Castelo Branco Machado*
As críticas à “nova previdência” proposta pelo Presidente Jair Bolsonaro já foram feitas por diversos ângulos, seja pela sua inconstitucionalidade ao propor a mudança de uma cláusula pétrea, a falácia do déficit estrutural e progressivo ou a perversidade das regras propostas para a maioria da classe trabalhadora. Neste artigo, gostaria de apresentar, como contribuição ao debate, a seguinte reflexão: a mudança do regime solidário entre gerações para o de capitalização tem como única finalidade atender às demandas do mercado e não solucionar um problema fiscal, como alega o governo.
O primeiro elemento para atestar esta afirmação é o fato do atual governo estar, com esta proposta, armando uma “bomba relógio” para o futuro governo, gerando um déficit a ser pago muito maior do que aquele em que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o Brasil está confrontado. Segundo o Ministro, em audiência na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, no último dia 04 de abril, os empregadores, em um primeiro momento, não contribuirão para formar o fundo previdenciário dos trabalhadores no modelo de capitalização que se pretende implantar. Para Guedes – o mesmo que na campanha eleitoral criticou a Dilma pelas desonerações fiscais – o peso da contribuição previdenciária patronal emperra a geração de empregos no Brasil.
A história recente do nosso país comprova o contrário. A desoneração do empresariado gerou apenas uma concentração de riqueza e reduziu a arrecadação do Estado, produzindo diminuição dos investimentos públicos, queda dos empregos e da massa salarial e uma consequente retração econômica. Na crise, é necessário tirar de quem tem mais, para evitar que a maioria deixe de consumir. O Ministro Guedes diz que, no primeiro momento, os trabalhadores que ingressarem no mundo do trabalho poderão optar pelo regime solidário ou a capitalização. Obviamente que esta opção não será do trabalhador: os empregadores contratarão trabalhadores sob o regime mais barato, no qual economizarão os encargos previdenciários para melhorar os resultados da empresa. Inclusive, haverá uma distinção perigosa entre os trabalhadores formalizados “caros” e os “baratos”, entre aqueles contratados pelos distintos regimes previdenciários, podendo jogar milhões de trabalhadores mais velhos na informalidade e na miséria.
Deste modo, a tendência é que a grande maioria dos novos trabalhadores já se insiram no modelo de capitalização, como condição de empregabilidade. Sendo assim, paulatinamente, teremos os empregadores deixando de contribuir com o regime atual e as contribuições dos novos trabalhadores sendo destinadas para fundos previdenciários de outra natureza, não podendo suprir as despesas para pagamento dos benefícios dos atuais aposentados e aqueles que se aposentarão nas próximas décadas.
Assim, o problema fiscal que o governo está produzindo é imensamente maior do que o atual. A solução apresentada pelo governo para atenuar esses efeitos no futuro é simples: a PEC 06 retira da Constituição os parâmetros que definem o regime atual, podendo ser alterados pela maioria simples do parlamento. De forma que, com a redução da arrecadação, restará ao sistema solidário ter regras mais duras para impedir que o trabalhador acesse o seu direito à aposentadoria, a redução de valores de benefícios, de tetos e pisos, aumento da idade mínima e dos tempos de contribuição.
De todo modo, o governo futuro terá nas mãos a tarefa de arrochar ainda mais o povo ou ter que inserir novamente uma carga tributária ainda maior, para pagar uma conta acumulada pela insensatez do atual governo. Como dito anteriormente, a capitalização não é a solução para o problema fiscal. É um agravante do mesmo. Trata-se de uma demanda do mercado, por dois motivos. O primeiro, como efeito prático imediato, com a redução da carga tributária dos empregadores. Iludem-se aqueles que acreditam no aumento dos salários decorrentes da eliminação da contribuição previdenciária patronal ou no aumento de postos de trabalho. Com as novas leis trabalhistas, os empregadores estão aumentando a intensidade e as jornadas, o que levará a novos enxugamentos em todos os setores. A redução da carga tributária gerará apenas mais concentração.
O segundo motivo é que há uma transferência imediata das contribuições previdenciárias do caixa do governo, até então utilizadas para pagar as aposentadorias, para alimentar o sistema financeiro, atendendo às suas demandas de investimentos. O que se transforma hoje, diretamente, em benefício previdenciário, gerando consumo, trabalho e impostos, agora ficará imobilizado por um longo prazo, sob a administração de uma instituição privada, para perseguir as metas atuariais. Um capital que passa a servir “mais como traders concentrados nas oportunidades de lucro financeiro decorrentes dos movimentos da evolução dos títulos, em vez de serem investidores preocupados com a capacidade da empresa de engendrar um fluxo de lucro durável” (CHESNAIS F. A Finança Mundializada. Ed. Boitempo, 2005).
Em outras palavras, o fundo fica subordinado à lógica do rentismo, da rentabilidade a curto prazo dos seus títulos, assumindo os riscos destes investimentos e sua dinâmica perversa. Para os trabalhadores, há uma promessa: como diz Guedes, o dinheiro para de servir ao governo e passa a ser rentabilizado para o próprio trabalhador. Seria glorioso, se fosse verdadeiro. Mas a afirmação do Ministro não se sustenta quando, somente com as suas próprias contribuições, os trabalhadores não terão assegurado nem de perto aquilo que o modelo atual lhes assegura, mesmo diante às expectativas de rentabilidade mais fantasiosas que alguns bancos prometem. Muitos fundos de pensão de estatais brasileiros reduziram benefícios e aumentaram contribuições, em decorrência dos riscos que estão submetidos.
O fato é que as tecnologias avançam, inclusive permitindo não somente que haja um aumento da longevidade das pessoas, mas também um aumento substancial da produtividade na indústria e na agricultura. Todavia, ao invés de discutirmos a distribuição do resultado deste aumento de produtividade, que hoje se transforma apenas em concentração de riquezas para uma minoria, ficamos condicionados a debater como retirar direitos para equilibrar regimes previdenciários. A questão da previdência no Brasil é uma questão fiscal: cobrar mais dos ricos para sustentar a dignidade humana. É simples assim.