Crise mundial, inflação e empobrecimento

José Álvaro de Lima Cardoso (Economista)

O conflito na Ucrânia está provocando impacto na economia e política
mundiais, como seria de se esperar. A reação direta e objetiva da Rússia, em
relação às provocações da OTAN e dos EUA, tem grande significado político e
causou uma crise política dramática no interior do bloco imperialista. O conflito
trouxe também grandes efeitos na economia, a Europa importa da Rússia 40%
do gás que consome. O conflito encarecerá muito o preço da energia para
milhões de famílias europeias, com impactos também sobre custos industriais e
preços em geral. Com as sanções, a Alemanha suspendeu a aprovação final do
gasoduto Nord Stream 2, que permitiria aumentar as importações de gás da
Rússia, inclusive a um custo menor. Mas os países europeus continuam
comprando gás russo porque não há alternativa à altura, em termos de preços e
facilidade de acesso.
Antes do conflito o mundo já enfrentava escassez de suprimentos globais e
uma onda geral de inflação, problemas que se agravaram muito com a guerra. A
Rússia certamente está sendo prejudicada pelas sanções, não há nenhum caso
anterior de medidas tão duras a um país com essa importância econômica. Mas
os efeitos tendem a se diluir um pouco porque o país é uma potência energética,
que se preparou para enfrentar o bloqueio. Além disso, já enfrentou outros
bloqueios, ainda que em grau mais ameno. Em alguns aspectos a crise beneficia
o país, que dispõe de grandes reservas de petróleo e gás. A Rússia é o terceiro
maior produtor de petróleo do mundo, sendo que 30% são destinados ao
mercado europeu. Portanto, a explosão de preços do barril de petróleo, que já
apresenta as cotações mais altas desde 2008, beneficia diretamente a economia
russa.
A inteligência chinesa compreende perfeitamente que se a Rússia for
derrotada, ela passa a ser a bola da vez das investidas do Império (observem
atentamente, pelos meios de informações adequados, o que ocorre em Taiwan).
Segunda maior economia do mundo, não aderiu ao boicote e, inclusive, está
aproveitando as oportunidades surgidas para expandir mercados. As sanções
dos países imperialistas à Rússia abrem uma grande oportunidade de vendas
de componentes industriais e serviços de toda a natureza ao país. Por exemplo,
com a saída das bandeiras de cartões de crédito Mastercard, Visa e American
Express, o Sberbank, maior banco da Rússia, e outras instituições financeiras
locais, começaram a emitir cartões por meio da rede chinesa UnionPay. É
possível que as empresas chinesas ocupem esses espaços em definitivo, pode
ser que as empresas americanas de cartão de crédito não retornem mais, com
o final da crise atual.
As sanções, que visam estrangular a economia russa, o que obrigaria Putin
a recuar na guerra, estão sendo impostas por muitos países, e procuram atingir
os setores financeiro, energético, transporte e outros. Incluem ainda controles de
exportação e proibições de financiamento comercial. As medidas também
objetivam limitar o acesso da Rússia à tecnologia sensível (aquela que permite
acesso restrito por questões de segurança), assim como componentes e
equipamentos de aeronaves. O bloqueio inclui restrições de vendas à Rússia de
semicondutores, telecomunicações, segurança de criptografia, lasers, sensores,
navegação, aviações e tecnologias marítimas.
Empresas e bancos russos sofrerão também restrições de atuação em vários
países do mundo. Uma das medidas mais duras foi o congelamento das reservas
internacionais da Rússia, que totaliza cerca de US$ 640 bilhões (em torno de R$
3,2 trilhões), que é uma das bases da economia russa, justamente para enfrentar
as turbulências que deverão advir do boicote. Uma parte dessas reservas estão
em ouro e em aplicações na China em RBM, portanto à salvo das sanções,
porém, metade das reservas estão dólar ou euro, ou mesmo yen.
Um dos efeitos incontornáveis do conflito será a alta de preços das matériasprimas no mundo todo, num contexto em que a inflação já vinha alta. É inevitável
o repasse aos produtos, do aumento de preços internacionais, principalmente
nos alimentos e derivados do petróleo. Sob formas variadas o mundo todo já
vinha enfrentando antes problemas semelhantes, como a redução da oferta de
energia, elevação do preço do frete, falta de componentes para a indústria, e
assim por diante. O conflito vem agravar dramaticamente esses problemas.
Como a política de preços dos derivados do petróleo no Brasil, chamada de
PPI (Política de Paridade de Importação), está vinculada à variação do preço
internacional do petróleo, a Petrobras anunciou na semana passada aumentos
nas refinarias de 24,9% no litro do diesel, de 18,7% no litro da gasolina e de 16%
no quilo do gás de cozinha. Os aumentos, que são os maiores das últimas
décadas, impactarão fortemente o custo de vida. O governo quer fazer de conta
que não tem nada a ver com o aumento de preços, que esta é uma política da
Petrobrás, que seria “regulada pelo mercado”.
O fato é que, se a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que há
cinco anos aumenta o preço dos derivados do petróleo muito acima da inflação,
já era um total absurdo antes do conflito na Ucrânia, o que se pode dizer dela
agora? Dependendo dos rumos que a crise mundial tomar, e dos seus efeitos
sobre preços do petróleo e derivados, a PPI tende a implodir. Com a crise
internacional (na qual todas as possibilidades estão em aberto) será muito difícil
o governo sustentar a conversa mole de que não pode interferir na Petrobrás,
apenas “dar palpites” e que quem decide os preços dos combustíveis são os
diretores e o conselho da empresa. A postura do governo brasileiro chega a ser
risível, se pensarmos que Joe Biden foi implorar petróleo ao governo
venezuelano, o qual os EUA não só boicotaram de todas as formas possíveis,
como tentaram derrubar o presidente da República e colocar um vigarista no
lugar.
Os aumentos de preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica,
tarifas de transporte) estão ocorrendo num momento em que a classe
trabalhadora brasileira já perdeu muito e atravessa o seu pior ciclo de
empobrecimento da história. O custo de vida atual já seria muito alto para os
salários vigentes, mesmo que ele não estivesse aumentando (ou seja, mesmo
que a inflação fosse zero). Além disso, é um aumento de preços que é ainda
mais elevado nos produtos alimentares básicos. Em fevereiro, por exemplo, o
valor da cesta aumentou em todas as capitais onde o DIEESE realiza
mensalmente a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. Em fevereiro
todas as capitais tiveram alta de preços, com variações que oscilaram entre
10,00%, em Porto Alegre, e 23,00%, em Campo Grande. No mês, o salário
mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas,
calculado pelo DIEESE, deveria equivaler a R$ 6.012,18, ou 4,96 vezes o mínimo
de R$ 1.212,00.
É nesse quadro, que temos assistido movimentos importantes dos
trabalhadores em alguns segmentos (negociação rápida dos pisos estaduais,
melhoria do quadro das negociações em geral, greves nos setores privado e
público). Tais iniciativas, apesar de suas especificidades, podem estar indicando
mudança na disposição de luta dos trabalhadores, que vêm tomando pancada,
pelo menos desde o início do processo de preparação do golpe de 2016. A
conjuntura internacional está em aberto, de certa forma, tudo pode acontecer.
Mas, dependendo do comportamento da inflação, no caso de uma deterioração
muito profunda do cenário internacional, a reação dos trabalhadores pode vir
mais cedo do que imaginamos.

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