Superexploração, Quarta Revolução Industrial e o horror do desemprego

*José Álvaro de Lima Cardoso (Economista)

Segundo os estudiosos do tema, as principais formas de superexploração do
trabalho, especialmente nos países subdesenvolvidos, são: 1. Prolongamento da
jornada de trabalho; 2. Intensificação do ritmo do trabalho; e 3. Violação do valor da
força de trabalho. No Brasil a classe dominante combina essas três formas de
explorar o trabalhador, acima do que poderia ser considerado “normal”. É comum o
empregado trabalhar muitas horas, num ritmo muito forte, e receber salários muito
baixos. A partir destas três formas principais de superexploração, as combinações
são as mais variadas. Cada uma dessas formas gerais se concretiza em vários
métodos específicos de extrair mais valor da força de trabalho.
Esse processo de superexploração, enfrentado principalmente pelos
trabalhadores dos países subdesenvolvidos – mas não exclusivamente – é
extremamente funcional ao sistema capitalista mundial. Ou seja, não se trata de uma
“distorção” do mercado de trabalho, verificada nos países subdesenvolvidos. Longe
disso. Há uma relação entre as condições de vida que uma parte dos trabalhadores
ainda dispõe no centro capitalista (cada vez em menor número) e os
superexplorados da periferia.
Na sociedade capitalista a noção de que o trabalho é explorado pelo capital é
quase lugar-comum. Mas as formas concretas dessa exploração evoluíram ao longo
do tempo. Por exemplo, com a grande crise capitalista de 1974 foi lançada, alguns
anos depois, a política neoliberal que, basicamente significou a destruição de forças
produtivas, para tentar retomar os níveis de lucratividade do capital anteriores à crise
de 1974. Ao mesmo tempo, a política neoliberal fez de tudo para rebaixar os níveis
de vida das populações do mundo todo e destruir direitos sociais e trabalhistas em
escala industrial. No centro e na periferia. Essa política já dura mais de 40 anos.
A crise que o capitalismo está vivendo, como a maioria das crises capitalistas, é
de superprodução, ou seja, de excesso de mercadorias em relação à capacidade
de consumo da sociedade. O sistema não consegue manter a lucratividade do
capital, com a quantidade de forças produtivas existentes. A chegada das políticas
neoliberais destruiu forças produtivas, e também as condições de vida das
populações. Além disso, ao invés dos gastos do Estado serem destinados a políticas
sociais, eles são voltados a atender as necessidades do capital. Pudemos observar
o que foi gasto com bancos pelos governos do mundo todo, na crise de 2007/2008,
foram vários trilhões de dólares. Como é utilizado dinheiro público para essas
operações, a sociedade como um todo paga o subsídio público ao capital. O Estado
capitalista existe para isso: servir a burguesia.
Num cenário de desindustrialização e superexploração, e de busca do Estado
mínimo almejado pelos neoliberais, a exploração do trabalhador aumentou muito.
Surgiram várias formas de aumentar a exploração do trabalhador (terceirização,
trabalho por aplicativos, etc.), que se somaram às formas mais tradicionais de
superexploração exploração (trabalho sem registro, informal). Os trabalhadores dos
chamados aplicativos, além de serem explorados através de muitas horas diárias de
trabalho, e rendimento líquido final irrisório, são ainda vitimados por um nível
bastante elevado de alienação do trabalho. Não se consideram trabalhadores,
imaginam que são empreendedores, livres para fazer os seus próprios horários de
trabalho. Sem organização sindical, e portanto, sem parâmetros sociais e históricos
para avaliar sua condição no mercado de trabalho, ficam sozinhos, inclusive, na
análise da sua situação. O nível de alienação é tão elevado que realizam um tipo de
autoexploração.
O fenômeno da superexploração em sociedades como a do Brasil gera um
ambiente de intensa violência estrutural contra a maioria da população. As várias
formas de superexploração do trabalho, agressivas por si só, levam a uma intensa
violência contra a população em geral. Não é por acaso que a polícia brasileira é a
que mais mata no mundo. A matança permanente de pobres, especialmente jovens
negros, é uma forma de manter o medo e a submissão da classe trabalhadora. É a
força de violência e coerção do Estado da burguesia garantindo as condições para
os trabalhadores aceitarem um regime de brutal superexploração.
É nesse quadro de superexploração, que se desenvolve a Quarta Revolução
industrial, que, a exemplo das revoluções anteriores, coloca os meios técnicos e as
forças produtivas num patamar muito superior, fornecendo as condições objetivas,
do ponto de vista tecnológico, para a melhoria de vida das pessoas. De um lado,
portanto, o desenvolvimento das forças produtivas leva a avanços significativos
nas tecnologias utilizadas e no processo de produção. Porém, as relações sociais
de produção, baseada na propriedade privada e no lucro sem limites impossibilitam
que tais avanços signifiquem benefícios para toda a sociedade. Talvez um dos
principais efeitos dessa contradição seja o desemprego tecnológico, ou seja, aquele
causado pela introdução de novas tecnologias. Mudanças tecnológicas implicam em
elevação da produtividade que, muitas vezes, representa verdadeiros “saltos
tecnológicos”. O uso de tecnologias mais eficientes permite produzir mais
mercadorias em menos tempo de trabalho, ou seja, com menor quantidade de
trabalho humano. O sistema produz assim uma elevação do desemprego em
decorrência do novo patamar tecnológico, criando uma força de trabalho excedente,
que tende a crescer.
A substituição de trabalho humano por máquinas é decisão de cada grupo
empresarial, que buscar reduzir permanentemente seus custos, o que lhe permite
aumentar suas margens de lucros e/ou vender a preços mais baixos. O aumento da
produtividade através da substituição de trabalho por máquinas gera uma
“população excedente”, que é artificial, ou seja, é excedente em função das
restrições impostas pelas relações sociais de produção. Então, as mesmas causas
dos enormes ganhos de produtividade levam a existência de um grupo de
trabalhadores sem espaço no mercado de trabalho. Quando muito, ocupando postos
na economia informal, que paga menores salários, jornadas mais longas e tem
condições de trabalho ainda mais precárias.
O exército de desempregados e de trabalhadores na economia informal, são
essenciais para a manutenção dos salários em baixos patamares. Até 2014, ocasião
em que o Brasil, em algumas regiões, tinha uma situação praticamente de pleno
emprego, ouvia-se dos prepostos patronais em mesas de negociação queixas de
que não havia trabalhadores disponíveis para contratação, o que estaria
“complicando” muito a gestão de pessoal. A mensagem podia ser entendida como:
“é necessário que retorne o exército de reserva de desempregados, para impormos
o nível salarial que queremos”.
Na mesma direção, o empresariado reclama recorrentemente da existência do
salário mínimo, especialmente quando ele aumenta acima da inflação, como
ocorreu no período entre 2004 e 2015. O salário mínimo funciona como impeditivo
legal às possibilidades de achatamento salarial trazidas pelas flutuações do
mercado e pelo exército industrial de reserva. Ligado ao mesmo fenômeno, na
primeira grande onda neoliberal no Brasil, na década de 1990, na gestão FHC, nas
mesas de negociação os patrões tentavam insistentemente eliminar os pisos das
convenções coletivas de trabalho.
O problema não é a tecnologia, em si, mas a expansão da tecnologia dentro
de relações capitalistas, que conduzem ao desemprego tecnológico. A necessidade
de manter as margens de lucratividade impede (ou pelo menos constrange) que os
benefícios advindos das novas tecnologias sejam plenamente distribuídos para a
sociedade como um todo. Por exemplo, se um salto tecnológico da quarta revolução
industrial gera um excedente de trabalhadores em função dos ganhos de
produtividade, isso poderia representar uma redução da jornada de trabalho para
toda a classe trabalhadora, o que evitaria o crescimento do desemprego, ao mesmo
tempo em que possibilitaria a todos um ganho de tempo, para dedicar às demais
esferas da vida (convivência com a família, cuidados com a saúde, prática de
esportes, estudos, etc.)
Numa situação de desemprego elevado, aumenta o medo daqueles que
conseguem se manter no emprego. Ao assistir os companheiros perderem seus
empregos, o trabalhador tende a se submeter a piores condições de trabalho e a
aceitar salários mais baixos. O risco para a classe trabalhadora é duplo: ou sofre as
agruras do desemprego ou padece o aumento da exploração para manter os postos
de trabalho. É muito comum na nossa sociedade a convivência entre o desemprego
crescente e um número grande de pessoas trabalhando muito, com jornada de 50
ou 60 horas semanais, em um ou mais de um emprego. O trabalhador que, num
processo de crise, fica alguns meses desempregado, sem o amparo de políticas
públicas e/ou do sindicato, tende a posteriormente se submeter a piores condições
de trabalho e salário. O trabalhador fica mais “dócil”, afinal qualquer coisa é melhor
do que passar fome.
Neste quadro, é certo que alguns torcem para que aumente o desemprego,
apesar de todo o sofrimento humano e do prejuízo social e econômico, decorrentes.
É que o aumento do desemprego possibilita elevar a taxa de exploração para os
trabalhadores que mantém o vínculo, ampliando assim a lucratividade das
empresas.

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