Explosão da pobreza no Brasil: a dor da gente não sai no jornal

*José Álvaro de Lima Cardoso (Economista)

A miséria e a fome voltaram a sacrificar e assombrar os brasileiros mais
pobres. Além dos 612.000 mortos pela pandemia há uma tempestade perfeita
nesse caos que coloca em risco também a segurança alimentar da população:
inflação alta e concentrada em alimentos, desemprego e ausência de um auxílio
emergencial com valores decentes.
De acordo com a FGV Social, quase 28 milhões de pessoas vivem abaixo da
linha da pobreza no Brasil, de R$ 232 mês segundo o critério da FGV. Em 2019,
antes da pandemia de Covid-19, eram pouco mais de 23 milhões de indivíduos
nesta situação. Os 28 milhões de pobres representam mais do que as
populações somadas de Chile e Paraguai e equivalem a cerca de 13,2% da
nossa população. A miséria aumentou 22% somente nos últimos 2 anos, foram
5 milhões de novos pobres no período. Antes do golpe, em função de um
conjunto de ações integradas, o Brasil vinha melhorando a distribuição de renda
e reduzindo a pobreza. O Brasil vinha sendo uma referência na América Latina
e até no mundo, de êxito no combate à pobreza.
Uma parte dos brasileiros hoje, ante o aumento do preço do gás de cozinha
e dos alimentos, não vêm nem conseguindo pagar o aluguel. Há famílias que
vêm alternando o pagamento das contas básicas da casa. Para não faltar para
a comida, o trabalhador num mês paga a luz, noutro a água, e no outro o aluguel.
Inflação de alimentos e desemprego nas alturas pega com muito mais força a
população pobre do país. O problema é que todas as políticas do governo
Bolsonaro conduzem ao aumento do número de pobres no país. Todas as
políticas são contra o Trabalho e, portanto, contribuem para aumentar o número
de pobres seja pelo desemprego, precarização, destruição de serviços públicos,
redução do orçamento público destinado aos pobres, etc.
É sabido que o Estado sempre estará à serviço da classe dominante. Porém,
a partir do golpe de 2016, os golpistas colocaram o Estado exclusivamente à
serviço da burguesia. E da burguesia financeira, não é nem de outro segmento.
Portanto, aquelas pequenas brechas que permitiam o Estado financiar alguns
gastos de interesse do povo, foram sendo extintas. Isto significou desde grandes
medidas, como a Emenda Constitucional 95 (Emenda da morte), que congelou
gastos primários por 20 anos, até o fim da política do subsídio do gás de cozinha
praticada pela Petrobrás, em 2019, numa resolução do Conselho Nacional de
Política Energética.
É chamativa a crueldade dos golpistas. Ao mesmo tempo em que negam ao
pobre o acesso ao gás de cozinha, o presidente da Petrobrás, general Joaquim
Silva e Luna ganha salário de R$ 260.400 mensais. Somente com o salário do
presidente da Petrobrás, o governo poderia comprar todo mês 2.604 botijões de
gás (13k a R$ 100,00) e disponibilizar a população pobre. Detalhe: Silva e Luna
ainda recebe o salário de General da reserva no valor que chega a R$32,2 mil
brutos mensais.
Claro, no esquema do petróleo, a remuneração do general, e de toda a
direção da Petrobrás é “dinheiro de cachaça”. O que está em jogo, com o golpe
de 2016, é quem se beneficia da riqueza do pré-sal. E o pré-sal contém uma
reserva de petróleo que, segundo os especialistas, pode chegar ao equivalente
a “10 PIB” brasileiro. O salário do general, portanto, é dinheiro trocado. Pensem
no que representa em termos financeiros, por exemplo, a “MP da Shel”, que
isenta de impostos as multinacionais de petróleo: segundo alguns cálculos,
somente essa medida significará para o Brasil um prejuízo de um trilhão de reais
em 20 anos. Na Petrobrás, essa é apenas uma medida, entre dezenas que
desfalcam o Brasil.
Um sintoma chocante de elevação da pobreza é o aumento de pessoas em
“situação de rua”. Antes da chegada do corona vírus, o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) estimava 221 mil pessoas em situação de rua no
país, sendo pouco mais de 24 mil apenas na capital paulista. Mas esse número
está tão subestimado que a prefeitura de São Paulo prepara um novo
levantamento. Segundo o coordenador da Pastoral do Povo, Padre Júlio
Lancellotti, o cenário piorou muito. De fato, quem anda pelas ruas nas cidades
médias e grandes, sabe que a população de rua explodiu em todas as cidades.
As pessoas não têm emprego, não tem proteção social, e os governos estão
destruindo serviços públicos em nome de uma suposta austeridade fiscal.
O Brasil tinha deixado o chamado Mapa da Fome da ONU (Organização das
Nações Unidas) em 2014 com o alcance do programa Bolsa Família, grande
crescimento do emprego formal, com um conjunto de políticas integradas, como
o Pronaf, que garantia financiamento para os pequenos agricultores. Além de
uma política robusta e consistente de alimentação nas escolas que servia, há
alguns anos, mais de 43 milhões de refeições diárias para as crianças nas
escolas públicas. Segundo estudo do Ipea, baseado em dados de 2001 a 2017,
no decorrer de 15 anos, o programa Bolsa Família, apesar de seu valor modesto,
reduziu a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%. Mas o país deve voltar
a figurar na geopolítica da miséria no balanço da ONU, nos próximos anos.
Deram um jeito e acabaram de extinguir o Bolsa Família, substituído por um
programa eleitoreiro, que irá acabar em dezembro de 2022.
O fato de que, em 10 anos (entre 2003 e 2013), o Brasil tenha saído do
vergonhoso Mapa da Fome, revela como o problema é mesmo político. Bastou
um governo mais social democrata, mais preocupado com o povo, que, em dez
anos foi reduzida substancialmente o problema da fome no país. Ou seja, a fome
da população é na melhor hipótese, um descaso de quem detém o poder político
e econômico no país. Na pior hipótese (que não se deve descartar) é um projeto
dos ricos e poderosos, manter uma parte da população sob o cruel açoite da
fome, como medida de controle político da população.
É preciso dizer aqui que o problema da fome não será resolvido por ONGs,
apesar do nosso total reconhecimento do esforço das mesmas. Ninguém pode
ser contra a generosidade e a solidariedade, mas a solução do problema requer
a atuação do Estado. Os golpistas, ao mesmo tempo em que mantém fortunas
em paraísos fiscais (como Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, pegos
com a boca na botija com a operação Pandora Papers) desmontaram
justamente, as estruturas estatais montadas para combater a fome. O Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), por exemplo, foi
desmontado pelo governo federal em 2018.
Ninguém pode ser contra a doação de alimentos, mesmo que fosse beneficiar
apenas uma pessoa. Mas doação de alimentos não irá resolver o problema,
como não resolveu no tempo de Fernando Henrique Cardoso. As pessoas
precisam comer três vezes ao dia, não há doações que resolvam isso. O
enfrentamento da fome deve ser feito com estratégia política a partir da força do
Estado. Quem pode deve doar, mas não podemos substituir a ação política por
doações. O problema da fome, aliás, não é falta de alimentos: a
produção agrícola brasileira deve chegar a 290 milhões de toneladas na safra
2021/2022, um aumento de 14,7% em relação à safra anterior.

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