*José Álvaro de Lima Cardoso (Economista)
No último domingo (3), o Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) divulgou documentos dentro da
Pandora Papers, investigação sobre “refúgios fiscais”, realizada pelo citado
Consórcio. Esta colaboração jornalística investigou nos últimos meses milhares
dessas offshores, abertas principalmente nas Ilhas Virgens Britânicas e cujos
documentos foram entregues ao ICIJ por uma fonte anônima há cerca de um
ano. A partir da denúncia várias reportagens começaram a ser publicadas por
veículos importantes de todo o mundo. No Brasil, participaram da divulgação o
jornal Metrópoles, o site Agência Pública, a revista Piauí e o site Poder 360.
O Pandora Papers é uma megaoperação jornalista, que provavelmente
conta com gente muito poderosa por trás. Envolve 600 jornalistas, possuindo
um grande número de documentos confidenciais de 14 escritórios de advocacia
especializados na abertura de empresas em países como Panamá, Ilhas
Virgens Britânicas e Bahamas. As informações dão conta de que são mais de
cinco décadas de registros detalhados, uma quantidade absurda de dados,
cuja organização e denúncia demanda dinheiro e planejamento.
Os “refúgios fiscais” (chamados eufemisticamente de “paraísos fiscais”) são
países que não tributam a renda ou que a tributam a uma alíquota inferior a
20%. Ou, ainda, nações cuja legislação proteja o sigilo da composição
societária das empresas – mais de 60 países e territórios compõem essa lista.
Os refúgios fiscais oferecem enormes vantagens a cidadãos de outros países
que procuram cargas tributárias reduzidas ou nulas. Com a vantagem de
proteger o anonimato do “investidor”.
Não tem outra razão: os milionários e bilionários colocam seu dinheiro em
refúgios fiscais para: 1.esconder o dinheiro; 2. não pagar impostos; 3. para se
proteger de medidas governamentais que impliquem em perda de patrimônio.
Os refúgios fiscais são mais um dos inúmeros estratagemas utilizados pelos
ricos para pagar menos impostos. Coisa que os pobres não conseguem fazer
porque os impostos estão embutidos nos preços das mercadorias, não há
como escapar deles.
Com o Pandora Papers ressurgiu a antiga discussão sobre controle e
reforma do capitalismo, para evitar tais destinações do dinheiro, ao estilo dos
refúgios fiscais. Mas na realidade capitalismo é isso aí: falta de transparência e
sonegação fiscal. É uma ideia equivocada achar que apenas os “maus
capitalistas”, colocam dinheiro em offshore. Alguns não fazem porque não
podem, ou preferem outras formas de esconder e proteger suas fortunas,
talvez mais seguras. Uma das características de refúgios fiscais, aliás, é não
compartilharem informações com as autoridades de outros países.
Ter uma offshore não é crime no sistema capitalista, que defende a total
liberdade do dono do capital. Se estima que 10% do PIB mundial se encontra
investido em empresas offshore, mundo afora. As empresas offshore em regra
servem para esconder o verdadeiro proprietário de ativos que podem ser
financeiros, ou não, e também podem ter origem “lícita” ou não, para os
padrões do sistema capitalista.
Se estima que a América Latina perca mais de 40 bilhões de dólares em
impostos a cada ano através do mecanismo de estruturas offshore. O Brasil
com a maior perda anual é o país da região que mais perde impostos
anualmente: cerca de 15 bilhões de dólares. O subcontinente latinoamericano,
aliás, foi muito impactado pelo Pandora Papers. A investigação traz os nomes
de 11 ex-presidentes latino-americanos: os panamenhos Juan Carlos Varela,
Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares; os colombianos César Gaviria e
Andrés Pastrana; o peruano Pedro Pablo Kuczynski; o hondurenho Porfirio
Lobo e o paraguaio Horacio Cartes.
Estão também nas reportagens dois presidentes da República em plena
atividade: Sebastián Pinheira do Chile e Guillermo Lasso do Equador. Foram
pegos também os dois principais homens da economia no Brasil. O ministro da
Economia, Paulo Guedes, segundo a operação, mantém
empresas offshores em refúgios fiscais mesmo após ter ingressado no
governo. Da mesma forma o presidente do Banco Central Roberto Campos
Neto, que manteve 15 offshores por 15 meses depois de assumir o cargo.
Apesar da tentativa da grande imprensa de disfarçar ou minimizar o fato, ficouse sabendo que Paulo Guedes mantém nas Ilhas Virgens, no Caribe, a quantia de US$ 9,55 milhões – mais de R$ 50 milhões. Mesmo no capitalismo subdesenvolvido brasileiro tudo indica que essa é uma ação ilegal, em função
do escancarado conflito de interesses. Por exemplo, a desvalorização mundial, em boa parte fruto da incompetência de Paulo Guedes, tornou o ministro alguns milhões mais rico. Se isso não for ilegal, o que mais pode ser?
Paulo Guedes e Roberto Campos são peças fundamentais do esquema e
da própria terceira via. Não são homens do Bolsonaro, eles são homens dos
banqueiros, dos grandes capitalistas. Paulo Guedes administra um super
ministério, resultado da fusão de vários setores fundamentais e está no
governo para implementar a política neoliberal. Se ele cai, a política do
governo, que já é atrapalhada, pode ficar totalmente fora de controle. O caso
do Roberto Campos é ainda pior, porque ele é presidente do Banco Central
independente, um instrumento diretamente controlado pelos grandes
banqueiros.
As denúncias são gravíssimas e beira o surreal. O principal responsável
pela política que está matando a população de fome, que empurra goela abaixo
a política neoliberal mais severa possível, que acabou com a política de salário
mínimo, tem uma fortuna em refúgio fiscal. Isso para esconder o dinheiro, para
se proteger de crises e para ganhar mais dinheiro. Mesmo que isso não fosse
totalmente ilegal, seria totalmente indecoroso. Por que que ele está
escondendo dinheiro do Fisco, sendo que ele é o chefe maior da receita
federal? Ele é o principal homem da economia, o sujeito que faz a economia do
governo. Se fosse um governo minimamente sério, este cidadão cairia em
questão de horas. É impossível que isso tenha base legal. Mesmo que ele
tenha declarado a posse deste dinheiro. Por que há conflitos evidentes de
interesses.
Esse ministro, que mantém R$ 51 milhões escondidos num refúgio fiscal é o
mesmo que está fazendo a reforma administrativa, que irá destruir os serviços
públicos e os salários do funcionalismo. Vale lembrar que a reforma
administrativa é um ataque daqueles que tomaram o poder à força em 2016, e
que fraudaram as eleições de 2018, contra o povo brasileiro, para destruir os
serviços públicos tal como hoje os conhecemos. Os servidores públicos terão
boa parte de suas rendas confiscadas, num momento em que a classe
trabalhadora sofre o processo mais dramático de empobrecimento da história.
A PEC não foi feita para corrigir distorção nenhuma e sim destruir os serviços
públicos. Por isso que aqueles que recebem salários acima do teto
constitucional, permanecem ilesos: procuradores, promotores, juízes,
deputados, senadores, consultores legislativos e militares estão fora da PEC nº
32.
Sem uma grande reação dos trabalhadores, haverá um gigantesco confisco
de salários, que irá empobrecer muito os servidores públicos. A reforma
administrativa, após destruir o rendimento do funcionalismo público federal,
deverá baixar suas medidas para os outros níveis dos trabalhadores públicos,
nos estados e municípios. Para uma grande parte deste funcionalismo, a luta
pela sobrevivência é parecida com a dos trabalhadores do setor privado, ou
seja, o rendimento médio auferido mal cobre as despesas regulares da família.
Os trabalhadores dos setores públicos e privados não tem conseguido repor
nem mesmo a inflação em suas datas base. E a elevação inflacionária atual
não é qualquer uma, ela é forte e concentrada em alimentos, o que
compromete diretamente a renda da maioria da população.
O fato de que as denúncias do Pandora Papers tenham pego com a boca
na botija os dois principais homens da economia no Brasil, só ilustrou o que já
sabíamos. Este governo, fruto de um golpe e da fraude eleitoral de 2018, é um
governo de ricos, à serviço dos muito ricos. E com comando estrangeiro, a
partir dos interesses dos EUA. Do ponto de vista econômico e social, a
situação é insuportável no Brasil e, como em qualquer situação extrema, é
muito difícil fazer previsões de cenários conjunturais.