Inflação de alimentos e taxa de exploração no Brasil

*José Álvaro de Lima Cardoso (Economista)

O DIEESE estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente
a R$ 5.518,79, valor que corresponde a 5,02 vezes o piso nacional vigente, de
R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro
pessoas, com dois adultos e duas crianças. O problema fundamental da inflação
no Brasil (como acontece nos países de capitalismo atrasado, em geral) é que a
taxa de exploração é muito elevada, os salários são muito baixos. Qualquer
elevação mais significativa da inflação coloca uma boa parte da classe
trabalhadora no primeiro patamar da fome. E a elevação inflacionária atual não
é qualquer uma, ela é forte, persistente, e concentrada em alimentos, o que
compromete diretamente a renda da maioria da população.
É simples de entender o que acontece. De acordo com dados da Pnad
Contínua, do IBGE, o rendimento médio real habitual dos
trabalhadores (considerando a soma de todos os trabalhos) foi de R$ 2.547,00
no trimestre móvel até maio de 2021. Este valor deveria ser suficiente para
custear comida, aluguel, transporte, luz, água, etc. O fato é que, mesmo que o
rendimento médio fosse o dobro, a conta não fecharia, como mostra o valor do
salário mínimo necessário. Os preços dos produtos básicos (comida, água,
energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que
a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento
da história. Esse ciclo foi causado pelo golpe de 2016, que veio para isso mesmo.
O golpe foi operado por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise requer
maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a
necessidade de destruição de direitos, além de outras ações, como a entrega da
Eletrobrás. Neste momento de grande crise mundial, não é mais possível a
existência de governos nacionalistas e sociais-democratas na periferia
capitalista, sem que, ao mesmo tempo, entrem em rota de colisão com os
interesses do imperialismo.
Por isso derrubaram governos em toda a América Latina. Por essa razão os
governos que resultaram de golpes desfizeram rapidamente as escassas
políticas sociais ou distributivas que existiam. Michel Temer, por exemplo, mal
assumiu com o golpe, tratou de liquidar a Lei de Partilha, que retinha, em maior
grau, a renda petroleira no Brasil. O caso do petróleo no Brasil ilustra com
riqueza o que é ser um trabalhador de um país dominado pelo imperialismo. O
país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande
produtor de petróleo. Ao mesmo tempo estão vendendo as refinarias, para tornar
o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de
importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. E quantidades
crescentes da população não têm o que comer. Quando a cotação do barril de
petróleo aumenta internacionalmente, quem ganha não é povo pobre e negro
brasileiro, e sim os investidores da Bovespa e da Bolsa de Nova York.
O fato é que com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o
trabalhador tem a sensação de que ela é muito elevada. É que o custo de vida é
muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou
seja, mesmo que a inflação fosse zero). Muitas vezes os trabalhadores reclamam
da inflação, mesmo com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a
reclamação é direcionada para os baixos salários. Se o trabalhador recebe o
salário mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para
um adulto custa R$ 650,00 ou mais, a conta nunca irá fechar. Na realidade, essa
é uma confusão entre inflação e salário baixo, que são temas correlacionados,
porém distintos.
Se a família sobrevive com um salário mínimo (e no Brasil são muito milhões
de famílias nessa situação), a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar
dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa
parte pelo aumento de preços dos alimentos, impacta frontalmente o pobre.
Quem sobrevive com um salário mínimo no Brasil (no total, 27,3 milhões de
brasileiros recebem até um salário mínimo, cerca de um terço do total da força
de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a
sua renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da
família, não consegue pagar nem mesmo luz e água.
Nesse contexto, quando há uma pressão dos alimentos, a renda do pobre é
impactada direta e mais fortemente. Em menor escala a classe média baixa
sente também. Já as famílias ricas nem ao menos percebem a inflação,
especialmente se esta for causada por alimentos. O rico, pelo contrário,
aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço da carne no varejo
sobe muito acima da inflação em um ano, como constatou o DIEESE na sua
pesquisa de cesta básica, é evidente que esse aumento beneficia o
empresariado. É a hora de proprietários de gado, grandes atacadistas de
alimentos, donos de supermercados, etc., fazerem um lucro extra.

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