Legalização da precariedade e da sobre-exploração do trabalho

*José Álvaro de Lima Cardoso

A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 12, a Medida Provisória
(MP) 1.045/21, que renova o programa de redução ou suspensão de salários e
jornada de trabalho com o pagamento de um benefício emergencial aos
trabalhadores. As regras da MP valem para quem tem carteira assinada e para
os contratos de aprendizagem e de jornada parcial. A matéria será enviada ao
Senado onde certamente será aprovada. É bom sempre lembrar que as
divergências entre a direita tradicional e a extrema direita, tem motivações
eleitorais, apenas. Em relação ao programa de destruição do país e dos
direitos da população, esses setores conservam total consenso.
Originalmente, a MP 1.045/21 se referia somente à criação do chamado
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM). A
medida possibilitava a suspensão dos contratos de trabalho por parte das
empresas, com redução proporcional de jornadas e salários em 25%, 50% ou
70%. Foi criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da
Renda, para os trabalhadores incluídos no Programa. O programa, em si, já
implica em significativa queda dos salários que, em alguns casos, chega à
50%.
Ocorre que, durante o processo de discussão no Congresso, o relator
incluiu uma verdadeira nova “reforma trabalhista” no projeto, trazendo o
fundamental da triste proposta de carteira verde e amarela, que esperávamos,
tinha ido para o lixo da história. Foi incluído no projeto o programa de “estímulo
ao primeiro emprego” (Priore) e um regime de “qualificação profissional para
trabalhadores do setor produtivo” (Requip). No Requip (Regime Especial de
Qualificação e Inclusão Produtiva), está previsto o pagamento de uma bolsa de
R$ 220 mensais, que será paga pela União, mais uma Bolsa de Incentivo à
Qualificação (BIQ) de mesmo valor, ao encargo da empresa. O somatório dos
dois benefícios totalizará R$ 440 mensais. O trabalhador contratado através do
Requip, com agenda de 22h semanais, além de receber 40% do saláriomínimo, não terá nenhum direito trabalhista. Nada de 13º salário, férias, FGTS.
A empresa que aderir poderá deduzir o pagamento da bolsa da base de cálculo
do Imposto de Renda e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
As empresas poderão contratar até 15% da sua força de trabalho através do
Requip. O Requip poderá ter duração de 3 anos e é voltado para pessoas de
18 a 29 anos, sem registro em carteira há mais de 2 anos.
O Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) será
voltado à jovens entre 18 a 29 anos e pessoas com idade igual ou superior a
55 anos, que estejam sem vínculo empregatício formal por mais de 12 meses.
Da mesma forma que o Requip, o programa legaliza formas de precariedade e
sobre-exploração do trabalho, que antes eram ilegais. Na contratação através
deste programa o trabalhador não terá direito à indenização de 50% dos
salários devidos, no caso de demissão do emprego antes do prazo de vigência
estipulado. Além disso, a multa do FGTS de 40%, no caso de demissão, cai
para 20%. As alíquotas para depósito do FGTS diminuem também de 8% para
até 2%. As empresas poderão contratar até 25% dos seus trabalhadores
através do Priore.
Com os dois programas, as empresas poderão contratar até 40% dos
trabalhadores, através dessas condições extremamente rebaixadas. Para 40%
da força de trabalho será, na prática, a revogação da CLT. Com desemprego
em quase 15% da força de trabalho os patrões terão margem para substituir
uma parte do trabalhador contratado pelas formas tradicionais, com alguns
direitos. Para facilitar essa troca de contratos de trabalho, o governo teve o
cuidado de incluir mudanças na CLT, dificultando o trabalho da Inspeção do
Trabalho. Definiram também valores menores para multas por infrações
trabalhistas e aumentaram os obstáculos para o acesso à justiça gratuita. O
serviço foi completo.
A MP 1.045/21 vem reforçar, juntamente com centenas de medidas do
governo, um elevado nível de exploração do trabalhador, legalizando o
rebaixamento do valor da força de trabalho. Claramente a medida irá fazer cair
ainda mais os salários reais, numa conjuntura na qual os trabalhadores sofrem
os maiores ataques aos seus direitos em todo o período de existência da
República. Inúmeras outras medidas têm também o efeito de aumentar o nível
de exploração do trabalhador através do prolongamento da jornada de trabalho
e/ou intensificação do ritmo do trabalho. Todas essas formas de exploração
atuam de maneira combinada.
A MP vem se somar a inúmeros métodos já em funcionamento de
precarização e sobre-exploração do trabalho: trabalho autônomo, informal,
uberizado, sem registro, etc. Trabalhadores que se encontram em níveis
altíssimos de precarização, sendo que, uma parte se considera empresários,
empreendedores, chefes de si próprios, alimentando a ilusão de que são livres
e independentes. Todas essas fantasias são bastante alimentadas pela
ideologia dominante. A exploração extra dos trabalhadores, que estes
dispositivos possibilitam, exerce grande funcionalidade na sustentação do
sistema capitalista mundial, que se encontra em grave crise estrutural.
O governo Bolsonaro é considerado ultra neoliberal. Faz quarenta anos que
as políticas neoliberais vêm rebaixando os níveis de vida das populações do
mundo todo e destruindo direitos sociais e trabalhistas, como resposta à crise
estrutural do sistema capitalista. As políticas neoliberais destroem forças
produtivas e condições de vida das populações, métodos centrais no
enfrentamento da crise. Ao invés dos gastos do Estado serem destinados a
políticas sociais, eles são voltados a atender as necessidades do Capital.
Por exemplo, através do “Orçamento de Guerra” praticado pelo governo em
2020, vimos que, mais uma vez, a maior parte do orçamento federal foi destinada aos
pagamentos de juros e amortizações da dívida pública. No ano passado para
amortização e rolagem dessa dívida atingiram R$ 1,381 trilhão, quantia 33% superior
ao valor gasto em 2019, destinado exclusivamente aos grandes bancos e outros
especuladores nacionais e estrangeiros.
O imperialismo, que em última instância é quem dá as cartas da política
macroeconômica do Brasil, não tem outra proposta para enfrentar a crise
mundial de sobreprodução. O programa é o mesmo de sempre: privatizar,
destruir forças produtivas (principalmente na periferia, mas também no centro
capitalista), liquidar direitos e aprofundar os níveis de exploração da força de
trabalho. Todas as manobras políticas, os golpes de Estado, o apoio a extrema
direita (como no processo que alçou Bolsonaro à presidência), visam criar as
condições para aprofundar ainda mais essas políticas neoliberais. Até o fim.

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