O Combate à Fome Requer Políticas de Estado.


*José Álvaro de Lima Cardoso
O aumento da fome, ao lado dos quase 500 mil mortos pela pandemia
(oficialmente), são os grandes problemas do País, neste momento. Além do
recrudescimento da pandemia e do impacto das milhares de mortes diárias pela
Covid-19, há uma tempestade perfeita que empurra uma parte da população
para o flagelo da fome: inflação alta, explosão do desemprego e ausência de
políticas públicas eficazes para o combate aos problemas.
O golpe de 2016 está colocando o Brasil de volta ao século 19. Segundo o
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019 14 milhões de
famílias usavam lenha ou carvão para cozinhar, um número cerca de 3 milhões
a mais do que em 2016. Ou seja, uma a cada cinco famílias brasileiras cozinhava
com carvão ou lenha em 2019. Essa situação certamente piorou muito no último
ano e meio. Não há nenhum romantismo ou nostalgia nisso, como querem fazer
crer algumas análises: é pobreza mesmo, que obriga a população a ter que optar
entre comprar comida ou gás.
Em 2019, já durante o governo mais contra o povo que o Brasil conheceu em
toda a história, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética
colocou fim à política do subsídio do gás de cozinha praticada pela Petrobrás.
Em meio a um rápido processo de empobrecimento dos trabalhadores, o
governo tirou a possibilidade de muitas famílias adquirirem um bem tão
essencial, como o gás. As famílias mais pobres tiveram que optar entre comprar
alimentos ou gás, por isso muitas tiveram que começar a usar lenha ou carvão,
para cozinhar, como vimos.

Os dados de pobreza são muito graves em Santa Catarina. O último relatório
feito pelo núcleo de pesquisa econômica da UFSC (Necat/UFSC) mostra que em
2019, 500 mil catarinenses viviam com até R$ 450 por mês e 110 mil estariam
em condição de pobreza extrema, sobrevivendo com até R$ 155. Com o
coronavírus e o agravamento da crise econômica, a situação piorou muito.
Segundo os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio), do
IBGE, Santa Catarina tem 228 mil pessoas desocupadas, 101 mil subocupadas
e 122 mil pessoas na força de trabalho potencial. Somando esses três
indicadores tem-se a medida de subutilização da força de trabalho catarinense,
que já totaliza 452 mil pessoas. Cada pessoa desempregada ou subempregada,
afeta também as condições de vida (incluindo a alimentação) dos dependentes.
Além disso, a queda de consumo dessas famílias que ficaram sem rendimentos,
o que necessariamente acontecerá, afetará outros setores, o que irá produzir
mais desemprego e miséria.
Segundo o IBGE, o estado possui 134 municípios no mapa da insegurança
alimentar e nutricional, no qual há famílias que passam fome. Esse número
representa 45% do total dos 295 municípios do estado. Conforme o IBGE, 536,4
mil catarinenses estavam abaixo da linha da pobreza em 2019, 7,5% da
população. Para o Banco Mundial, as pessoas abaixo da linha pobreza são
aquelas que ganham menos de R$ 436 por mês.
O rendimento médio do trabalhador catarinense, conforme dados do IBGE,
encerrou 2020 em R$ 2.726,00. Este rendimento médio significa metade do
salário mínimo necessário, de R$ 5.330,69 calculado pelo DIEESE, para uma
família de quatro pessoas. Catarinenses abaixo da linha da pobreza extrema,
isto é, que ganham menos de R$ 151 mensais eram 107,3 mil em 2019, o que
equivale a 1,5% da população. Uma cesta básica para um adulto custou em
média, no mês de abril, R$ 634,00.
Estes dados são especialmente preocupantes porque Santa Catarina é o
estado com o menor percentual de pessoas pobres no país. É também o estado
com a menor desigualdade. No estado, o índice de Palma – razão entre o
rendimento acumulado pelos 10% da população com os maiores rendimentos e
pelos 40% com os menores rendimentos – foi de 2,07, menor resultado do país.
No Brasil como um todo este índice foi quase o dobro em 2019 (4,2). Pois em
Santa Catarina, o estado menos desigual da Federação segundo o IBGE, em
2019, 2/3 dos catarinenses (66,1%) receberam entre meio (R$ 499) e dois
salários (R$ 1.996) mínimos por mês. Mais de um terço, 36%, ganham até um
salário mínimo. Um detalhe importante: esses são dados de 2019. De lá para cá
a classe trabalhadora como um todo ficou ainda mais pobre.
O Brasil sempre teve um problema estrutural de fome, uma espécie de
“maldição”, que acomete uma parcela da população brasileira, condenada a
viver permanentemente sob o açoite da fome. Uma crueldade da burguesia
brasileira, que parece servir também como uma advertência velada aos
trabalhadores que ousarem se rebelar contra as injustiças do sistema. O Brasil
tinha deixado o chamado Mapa da Fome da ONU (Organização das Nações
Unidas) em 2014 com o amplo alcance do programa Bolsa Família, grande
crescimento do emprego formal, com um conjunto de políticas integradas, como
o Pronaf, que garantia financiamento para os pequenos agricultores, merenda
escolar, etc.

O fato de que, em 10 anos (entre 2003 e 2013), o Brasil tenha saído do
vergonhoso Mapa, revela como o problema é, de fato, político. Bastou um
governo mais preocupado com a situação dos mais pobres, e em dez anos vimos
uma redução substancial do problema da fome no país. Ou seja, a fome da
população em boa parte é um projeto dos ricos e poderosos. Manter uma parte
da população sob o cruel açoite da fome, como medida de controle político da
maioria parece ser um projeto dos poderosos. É semelhante ao problema do
exército industrial de reserva. Os donos do capital, a burguesia, não gostam de
pleno emprego. É preciso manter também uma parte da classe trabalhadora
castigada pelo desemprego, para manter o controle político sobre a classe.
Um problema como o da fome não se resolve com doações, por parte da
sociedade, por mais louváveis, bem-intencionadas e necessárias que essas
sejam. O Brasil do período de Fernando Henrique Cardoso é testemunha disso:
liderado por Betinho, a sociedade realizou um grande movimento por doações,
e no final do segundo governo FHC, se estimava que houvesse 50 milhões de
famintos no país. Aquilo que a sociedade fazia de colherinha, as políticas
neoliberais de FHC desfaziam de retroescavadeira. Alimentar os famintos era o
mesmo que enxugar gelo. O problema da fome, como qualquer grande problema
político e social importante, tem que ser resolvido com políticas integradas de
Estado.
O agravamento da fome, é decorrência direta das políticas decorrentes do
golpe de 2016, coordenado diretamente pelo Imperialismo. O combate aos
direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes. Do golpe para
cá são centenas (possivelmente mais de mil), ações destruindo direitos e
benefícios dos trabalhadores, sempre conquistados com décadas de sangue,
suor e lágrimas. Podem observar com lupa: não há uma ação que contrarie o
Capital. 100% das ações dos golpistas, desde 2016, são contra a população.
Além das centenas de medidas contra os trabalhadores em geral foram
também destruídas políticas específicas que agravaram a fome: Emenda 95, do
teto de gastos, que congelou todos os gastos primários do governo; fim dos
programas de transferência de renda; fechamento de equipamentos de
segurança alimentar, como banco de alimentos. O mercado consumidor interno
foi destruído, com a liquidação de empregos e da renda, o que afeta diretamente
o poder aquisitivo da população. De 2016 para cá, segundo os vários
indicadores, o processo de empobrecimento da população foi o mais rápido da
história, o que impacta diretamente as condições de alimentação da população.
Assim que tomou posse, Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) não foi extinto, mas tem orçamento ridículo, de R$ 500 milhões.
Mas mesmo assim, esse orçamento ainda insuficiente não foi totalmente
executado no ano passado. Bolsonaro excluiu os pequenos agricultores do
auxílio emergencial de R$ 600, vetou recursos para compras públicas pelo
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), renegociação e adiamento de
dívidas e linhas de crédito emergenciais. Tudo o que era considerado essencial
pelos agricultores. A política de segurança alimentar que levou anos para ser
concluída no Brasil, os golpistas destruíram em pouquíssimo tempo.

*Economista 04.06.2021

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