O processo de privatizações, especialmente realizado num momento como
este, de grave crise econômica e crise sanitária é, antes de tudo a
possibilidade de as empresas comprarem barato ativos estratégicos,
extremamente eficientes e rentáveis como Banco do Brasil, Correios, refinarias
de petróleo e outros. Não pode haver ilusões: “fazer dinheiro” é o objetivo
central desses processos de privatização, especialmente em países
subdesenvolvidos. Por isso, esses processos têm que ser enrustidos, sem
transparência. Para justificar a entrega de ativos públicos fundamentais para a
população, ao capital, os governantes têm que mentir descaradamente. No
caso do Brasil, o problema é agravado porque a grande mídia é oligopolizada e
defende as privatizações, dando visibilidade para apenas uma posição em
relação ao assunto.
O maior obstáculo para as privatizações de setores estratégicos da
economia são os trabalhadores organizados, porque estes têm informação das
empresas. Normalmente, num processo de privatização, a esmagadora maioria
da população é enganada, como vimos isso na criminosa privatização do
governo Fernando Henrique Cardoso. Se gastou uma fábula de dinheiro
público para fazer propaganda contra as estatais e enganar o povo. Dentre as
várias mentiras que se conta, uma delas é de que a privatização resolve o
problema fiscal do governo. Mas não há saída para o problema fiscal no Brasil,
se não se resolve o problema da dívida pública. A meta de arrecadação do
governo com a privatização, para o ano passado era de R$ 150 bilhões. O
governo conseguiu arrecadar muito menos do que isso. Mas só os gastos com
o pagamento de juros e amortizações da dívida pública chegaram a espantosa
cifra de R$ 1.381 trilhão, tendo aumentado R$ 344 bilhões no ano passado, em
relação à 2019.
Um dos objetivos das privatizações é abrir excelentes negócios, para um
capitalismo mundialmente em crise. Ou seja, as privatizações são,
essencialmente, um mecanismo de solução dos problemas do capital. Mas a
pauta das privatizações, ao contrário da destruição de direitos dos
trabalhadores, não unifica o empresariado.
As estatais são fundamentais para a estabilidade macroeconômica e a
garantia dos serviços em setores estratégicos, de qualquer país. A privatização
de certas áreas não interessa ao empresariado nacional. Por exemplo, se
depender do governo a Eletrobrás será privatizada rapidamente. Sabe-se que
se o capital privado assume 100% do fornecimento de energia, a tendência
muito forte é aumentar o preço da energia. Isso não interessa à indústria e
mesmo ao capital nacional como um todo. Ademais, normalmente quem tem
café no bule para comprar as estatais é o capital internacional, ou seja, o
grosso dos capitalistas nacionais não irão faturar com as privatizações
É grande a correlação entre privatização e desnacionalização.
Normalmente quem dispõe de recursos para adquirir as empresas públicas,
são as grandes empresas imperialistas, com sedes nos governos centrais. Aqui
no Brasil quem ainda pode adquirir as estatais são os bancos, que continuam
ganhando muito dinheiro. Mas bancos são bancos. A primeira coisa que farão é
aumentar as tarifas, independente do setor em que estejam. A
desnacionalização da economia apresenta vários riscos: setores estratégicos
caem nas mãos de estrangeiros (água e luz, petróleo, por exemplo), aumenta a
remessa de lucros (desequilíbrio no balanço de pagamentos), assumem grupos
que estão interessados exclusivamente em lucros imediatos, etc.
Um dos argumentos é que é a privatização é fundamental para aumentar o
nível de investimentos no país. Mas esse argumento é cretino, pois o
“financiamento” que vem para o país em tempos de privatização é para
comprar empresas à preço de bananas. Investimentos produtivos não se
deslocam à países que estão destruindo as leis trabalhistas, destruindo
previdência, e liquidando o mercado consumidor interno. Pelo contrário, vejam
o que está acontecendo no Brasil. A montadora Ford anunciou que encerrará a
produção de veículos no Brasil em 2021. A decisão deve implicar no
fechamento de cerca de 5.000 postos de trabalho no país. Privatização só atrai
o recurso para comprar o ativo a preços de banana, mais não para
investimentos.
Privatização significa desemprego, como revelam a experiência mundial e
brasileira. As demissões começam antes de entregar o ativo. Vejam o caso do
Banco do Brasil, que irá fechar no país 361 unidades, sendo 112 agências, 7
escritórios e 242 postos de atendimento. Ao mesmo tempo o banco lançou dois
planos de “demissão voluntária”, com estimativa de desligamento de 5 mil
trabalhadores da ativa. Estão preparando o Banco para privatizar, estão
fazendo o serviço sujo. Ao mesmo tempo abrem mercados para os bancos
estrangeiros e enxugam o banco para o processo de privatização. Detalhe: o
lucro líquido do banco no ano passado, com pandemia e tudo, foi de R$ 13,88
bilhões.
As privatizações são sempre realizadas abaixo do que seria o valor real da
empresa, essa é a regra. Por exemplo, a BR Distribuidora, cujo controle
acionário foi vendido pela Petrobrás, é a maior distribuidora de derivados de
petróleo do país, com cerca de 30% do mercado de combustíveis e
lubrificantes. Possui quase oito mil postos de venda e atua em 99 aeroportos.
Com o negócio o governo entregou o controle do terceiro maior mercado de
combustíveis do planeta, o Brasil, que perde apenas para EUA e China. Isso
por cerca de R$ 9,6 bilhões, em torno de US$ 1,6 bilhão (ao câmbio atual).
Esse valor, para uma empresa como essa, é dinheiro trocado. O valor de
venda da BR Distribuidora (R$ 9,6 bilhões), já foi devolvido em boa parte com o
lucro líquido de 2020, de R$ 3,9 bilhões (ano de pandemia). Ou seja, só no
primeiro ano de funcionamento com controle privado, o lucro líquido da
empresa já cobriu 41% do preço de compra. É um verdadeiro negócio da China
para quem comprou o ativo (que não aparece, é uma incógnita, mas tudo
indica que foi a Exxon).
Empresas públicas têm uma função social. Por exemplo, a Caixa
Econômica Federal e a Dataprev foram fundamentais na distribuição da Renda
Emergencial no período recente. Só foi possível o benefício chegar para uma
parte dos beneficiários por causa das estruturas de atendimento público.
Existe o Cadastro Único, o Sistema Único de Saúde e a Caixa Econômica,
estruturas que ainda não deu tempo de privatizar. E estas estruturas são
sempre fundamentais, especialmente na hora do aperto. O exemplo mais
extremo também é o SUS. Governo Bolsonaro está fazendo de tudo para
desmontar o SUS, e colocar as empresas dos amigos do governo para atender
o setor. Imaginem, neste momento, no qual o Brasil é o centro da pandemia no
mundo, em que está havendo um genocídio, caminhando para os 4.000 mortos
diários, dependemormosdo setor privado.
Uma das falácias dos privatistas é associar privatização com eficiência.
Essa é uma das pegadinhas da privatização. Como tem mesmo ineficiências
nas empresas públicas (assim como tem na empresa privada) e a vida do povo
é muito ruim, muito difícil, eles associam estatais e ineficiência. Mas o fato é:
qual a economia mais eficiente do mundo, há décadas? Eficiência traduzida
aqui por crescimento da produtividade e do PIB. É a China, disparado!. Pois
bem, a China tem 150.000 estatais (55.000 diretamente subordinadas ao
governo central. Então, a relação entre estatais e ineficiência é completamente
mentirosa, como revelam inúmeros exemplos também aqui no Brasil.
Enquanto o governo Bolsonaro (o mais ineficiente e lambe botas da história)
“quer privatizar tudo”, no mundo está havendo um movimento contrário, de
reestatização de serviços de setores importantes, como energia, água e
transporte. Desde 2000 quase 900 reestatizações foram feitas em países
centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha. Ademais, a experiência do
Brasil com as privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso, seria
fundamental recordar porque há um culto ao esquecimento no Brasil.
As novas gerações são sempre induzidas a desconhecer a história. Em
termos gerais o governo FHC destruiu a economia nacional, tornando-a muito
mais dependente do exterior e aumentando muito o desemprego e a
precarização. Especificamente no que se refere às privatizações, o livro “O
Brasil Privatizado”, de Aloysio Biondi (I e II), traz uma listagem completa dos
crimes cometidos contra o país naquele governo. Crimes que tendem a serem
repetidos agora, em escala mais ampla.
*Economista.29.03.21