Empobrecimento brutal da classe trabalhadora e perspectivas: mais polarização à vista


José Álvaro de Lima Cardoso*
Para entendermos a conjuntura brasileira é fundamental saber que ela se
insere no quadro de uma crise muito grave do sistema capitalista, ao nível
mundial. E que vem se arrastando por muitos anos. O imperialismo vem há
anos manobrando para a economia voltar a ter um funcionamento “normal”. O
pano de fundo de todos os golpes na América Latina, a partir de Honduras, em
2009, passando pelo Paraguai (2012) e Brasil (2016), é a crise econômica
mundial. Por conta da crise econômica e dos golpes, que atingiram quase todo
o continente, a situação política é extremamente instável (Bolívia, Equador,
Venezuela, Honduras, Brasil, e assim por diante). A polarização é generalizada
no continente, incluindo os EUA (como assistimos na recente eleição).
É neste contexto geral, que o Brasil enfrenta uma situação que se pode
chamar de “tempestade completa”, caracterizada por:

  1. maior crise econômica da história, no quadro da mais grave crise mundial
    também;
  2. uma das mais profundas crises políticas, com o pior governo da história e
    enorme polarização na sociedade;
  3. mais importante pandemia do último século (pelo menos).
    Uma das consequências mais drásticas dessa crise é o empobrecimento
    dos trabalhadores e a deterioração dos indicadores do mercado de trabalho. O
    aprofundamento da crise veio num quadro em que o rendimento do trabalho já
    vinha em queda desde 2015, quando o golpe estava sendo costurado. O
    Rendimento Médio Real de todos os trabalhos habitualmente recebido pelas
    pessoas com rendimento de trabalho, foi de R$ 2.336,00 em 2019, segundo o
    IBGE. É rendimento médio e bruto. O rendimento mensal domiciliar per capita
    médio do Brasil foi de R$ 1.438 em 2019. Este é o valor estimado que as
    pessoas dispõem no Brasil para atenderem todas as necessidades básicas: R$
    48 diários para gastos com alimentação, transporte, água e luz, habitação,
    vestuário, etc.
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    Se neste ano não houvesse coronavírus, a década que termina em 2020 já
    seria a pior em 120 anos. Só que o PIB neste ano irá cair mais entre 4% e 5%.
    Existe, claro uma crise estrutural do sistema capitalista, de sobreprodução
    como são a maioria das crises capitalistas. Mas, no caso do Brasil não há
    dúvidas que o golpe agravou muito mais a crise. A pandemia piorou toda essa
    situação no mercado de trabalho.
    Segundo dados do IBGE, o desemprego bateu novo recorde em outubro. O
    Brasil encerrou o mês com um contingente de 13,8 milhões, cerca de 3,6
    milhões a mais que o registrado em maio. O Brasil saiu de 10,2 milhões para
    13,6 milhões, uma alta de 35,9% em cinco meses. Dessa forma a taxa de
    desemprego ficou em 14,1%, a maior da série. Esse aumento recente da taxa
    de desemprego está relacionado, dentre outras coisas, ao crescimento do
    número de pessoas que estavam procurando trabalho, na medida em que vai
    acabando o isolamento.
    O contingente de pessoas desalentadas —que não buscaram trabalho,
    apesar de estarem desempregadas — atingiu recorde e alcança quase 6
    milhões. O desalento leva em conta pessoas que estavam sem trabalho, mas
    que não procuravam trabalho nos 30 dias anteriores à pesquisa, por desânimo,
    ou “desalento”. São jovens sem qualificação, idosos com baixa escolaridade, e
    outros. O desalento, assim como o trabalho precário, são formas disfarçadas
    de desemprego, pois os desalentados, ao não procurarem emprego, não
    pressionam o mercado de trabalho e não entram nas estatísticas como
    desempregados.
    A piora da renda e do emprego são fenômenos anteriores à pandemia, em
    função do fato de que o Brasil já atravessava a maior estagnação econômica
    da sua história. Ou seja, a pandemia veio num contexto em que a pobreza e a
    desigualdade social tinham explodido, como mostram todos os indicadores de
    distribuição de renda. Neste quadro de ataque aos direitos, desde o golpe, e
    com as crises, possivelmente o empobrecimento da classe trabalhadora seja
    inédito na história do Brasil. Este é um dado de conjuntura fundamental, com o
    qual o movimento sindical brasileiro terá que lidar.
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    A retração esperada do PIB per capita é de 6,7% este ano. Até então, o
    maior recuo havia sido em 1981. Em valores de 2019, o indicador era de R$
    34,5 mil no ano passado e deve cair para R$ 32,2 mil este ano. Caso esse
    cenário se concretize, o padrão de vida voltaria ao nível de 2008 (recuo de 12
    anos). Esse número do PIB per capita, por ser uma média, esconde um fato
    fundamental: a crise não é um processo neutro. A fortuna dos bilionários
    brasileiros cresceu 39% entre abril e julho de 2020, mesmo em meio à
    pandemia do coronavírus, segundo relatório do banco suíço UBS e da PWC.
    Desde 2009, a riqueza dos bilionários nacionais praticamente dobrou, com
    aumento de 99%. O mesmo fenômeno ocorreu no mundo todo. Os grandes
    grupos econômicos e os bilionários do mundo utilizaram a pandemia para
    ganharem muito dinheiro, de todas as formas possíveis.
    A ONG Oxfam publicou recentemente (em setembro) um relatório chamado:
    “O vírus da fome: como a covid-19 está aumentando a fome num mundo
    faminto”, que coloca o Brasil como “epicentro emergente” da fome extrema. No
    estudo, no qual o Brasil aparece com esta classificação, ao lado de Índia e
    África do Sul, a ONG analisa os impactos da doença em países onde a
    situação alimentar e nutricional já era muito grave antes do início da pandemia.
    Segundo o Relatório da Oxfam, o número de pessoas em situação de fome no
    Brasil em 2018 tinha chegado a 5,2 milhões, devido a um aumento acentuado
    nas taxas de pobreza e desemprego e a cortes nos orçamentos para
    agricultura e proteção social. Ou seja, antes da pandemia a fome já vinha
    aumentando muito.
    O advento da pandemia da covi-19 somou-se a essa combinação de
    elementos já colocados, aumentando rapidamente a pobreza e a fome em todo
    o pais. A parada súbita e quase absoluta da economia, nesse quadro, agravou
    muito o problema. Segundo o economista Daniel Duque, da Fundação Getúlio
    Vargas, desde que o auxílio emergencial caiu pela metade, R$ 300 a partir de
    setembro, o número de pessoas vivendo em situação de pobreza no País
    (conforme critério das Nações Unidas renda diária de US$ 5,50) aumentou em
    mais de 8,6 milhões. No mesmo período a população em situação de miséria
    (renda diária de US$ 1,9 dia) avançou em mais de 4 milhões de brasileiros.
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    O pesquisador da FGV chegou a dados impressionantes. A proporção de
    brasileiros vivendo na pobreza subiu de 18,3%, em agosto, para 22,4% em
    setembro, equivalente a 47,395 milhões. Segundo os dados da Pnad Covid do
    mês de outubro os 10% de brasileiros mais pobres tinham renda domiciliar per
    capita de R$ 31,69 por mês no período, sem o auxílio emergencial. Em outras
    palavras segundo os dados apurados pelo pesquisador, mais de 21 milhões de
    brasileiros tinham apenas R$ 1,05 por dia para sobreviver considerando a
    renda disponível, sem o auxílio emergencial. Com o auxílio, essas pessoas
    passaram a contar com R$ 219,96 mensais, R$ 7,33 diários.
    Em janeiro o auxílio termina, assim como o Programa Emergencial de
    Manutenção do Emprego e da Renda, que reduziu jornada de trabalho e
    manteve os salários dos que ganham menos. Segundo as estimativas o
    Programa Emergencial beneficiou até 9,5 milhões de trabalhadores do setor
    privado.
    No próximo ano a combinação será explosiva: desemprego nas alturas,
    renda do trabalho em queda livre, pobreza absoluta e fome em expansão. O
    governo não tem nenhum plano para enfrentar verdadeiramente esses grandes
    problemas. Sua proposta é uma só, porque esta foi a finalidade do golpe:
    aprofundar a política neoliberal, privatizar tudo, inviabilizar a empresa nacional,
    acabar com o que sobrou de direitos, acabar completamente com educação e
    saúde públicas, liquidar com todo o tipo de assistência pública. É difícil
    imaginar que isso possa ser resolvido sem muita briga.
    *Economista

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