Luiz Carlos Heleno
O Chaplin de minhas lembranças é o Carlitos andarilho, engolido pelas ruas dos
“Tempos modernos”. Estranhei a primeira vez que vi Chaplin associado e colado a
grandes ideologias, pois o que eu tinha em mente era um Chaplin de rua vivendo
unicamente aquele Carlitos ziguezagueando e matando a gente de rir no Cine Pindorama
lá de minha cidade, Siqueira Campos. Não deixei de admirar o Chaplin pensador, mas
sempre apreciei o Chaplin/Carlitos do “Idílio desfeito” que cativa, ou o perambulante
em “O garoto” que encanta, alenta e assombra a cidade.
Carlitos parecia saltar da tela pra fazer de nossas tardes e de nosso cine
pulgueirinho um lugar idílico e protegido. Da película de “O bombeiro” atrapalhado,
que inferniza a corporação, ao surpreendente e instigante “O grande ditador”, Carlitos
era acima de tudo terno. Um palhaço de picadeiro em “O circo” se fazendo de abobado
e ao mesmo tempo esperto, como uma personagem nascida sob a lona de um daqueles
circos modestos que apareciam da noite pro dia nos terrenos baldios da cidade, ao gosto
e feitio de nosso jeito. A gente ria só de olhar para ele, como também ria do palhaço
Tampinha mesmo sem a maquiagem. De repente a gente se tornava a plateia perplexa e
mais feliz do planeta, comovida com as cenas em que Carlitos contracenava com a
moça cega em “Luzes da cidade” (vivida por Virginia Cherrill), mas no momento
seguinte éramos a expressão da alegria em gargalhadas ribombando na sala ampla para
o nosso tamanho e idade. Esse era o nosso Carlitos, o que dosava alegria e drama com
maestria, nossa noção mais romântica de vida brincada a sério e ao avesso. Carlitos foi e
sempre será uma figura que não vive sem afeto e carece necessariamente do outro,
como em “Luzes da ribalta”, o que cai e se apronta de novo para um malabarismo
acrobático entre as cenas da vida e a vida em cena.
Carlitos se confunde com a figura daquele cão vira-lata que vez ou outra aparece
ao seu lado: um olhar pidão e uma ternura flagrante e despojada. O imortal de “Os
clássicos vadios” não demora em se fazer “Um rei em Nova York”. A criatura Carlitos,
um vagabundo girando sua bengala, nasceu da invencionice e da fantasia do Chaplin
criador e artista, e entre as aventuras e o sacudir da poeira, foi falando sério através de
sua arte quase de brincadeira: “Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do
que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência,
precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo
será perdido”.
Ao fim de cada sessão, lá íamos nós carregando Carlitos em nossa bagagem
invisível, como se ele tivesse fugido de algum fotograma do filme para nos acompanhar
pelas ladeiras e ruas – caminhos de nossa vida/viagem. Revisitando momentos de que
bebo nos campos da infância, entre o gingado do palhaço e o semeador de afetos, vamos
teimando em querer o mundo de Chaplin e seu eterno e terno Carlitos, em dias de
pandemia, neste mês de agosto que dirigimos carícias e energias positivas para o
nascimento de duas sobrinhas netas: Laura e Liz.
Eu amei
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