Luiz Carlos Heleno
Meu amigo Adalberto Fávero me convidou para escrever algumas crônicas. No Início travei. Se por um lado, no sentido estético, a crônica retém um momento em que ‘se literatura’ de forma curta e direta, por outro lado, no sentido de seu conteúdo, pode não dizer nada, ou não servir pra nada, sendo o nada a tradução mais explícita e vazia da impotência diante do contido, do captado, do revelado – e o assunto que me ocorreu é o que nos assombra: Covid 19. Talvez uma imagem tenha maior poder de mensagem.
Pra ser sincero, eu travei não sei se por conta da complexidade do assunto ou da impotência diante do mesmo. Logo agora que, isolados por conta mesmo do vírus, a gente poderia expiar demônios que nos incomodam, ou exercer a paciência de contar até três antes de soltar um palavrão na direção de pessoas que desafiam as recomendações médicas. E foi exatamente o que eu vi naquela manhã de sábado, pessoas perambulando despreocupadas pela cidade.
Tenho ido ao mercado uma vez por semana nesta mesma cidade que, ainda ontem, contabilizou 05 óbitos e um crescente número de casos, por conta de um relaxamento que traz em si um matadouro explícito – cada corpo se tornando a possibilidade da própria morte, ou a carona transmissora para a morte de outra pessoa. E nem é preciso aqui apelar no sentido de dizer que profissionais da saúde estão no limite, juntamente com a estrutura física dos hospitais e postos de saúde, e que tanto profissionais quanto estruturas deveriam servir de primeiro colo médico para o número de enfermos que só faz crescer, e que cada
vez mais se avizinham do nosso bairro, da nossa rua.
Fiquei por algum tempo me perguntando por qual motivo eu havia travado diante do assunto, e não achei meada plausível; até porque eu poderia escrever sobre outra coisa. Há uma infinidade de assuntos a serem explorados: uma receita, um disco, um filme, uma caminhada, etc.
O que pude identificar mais tarde, e superficialmente, foi que a necessidade de escrever sobre a covid 19 veio à tona por conta de meu retorno do mercado: – passando a pé diante da casa de um vizinho, eles me dirigiram um “olá” de bom sábado, e até me ofereceram um gole da cerveja que estavam tomando, juntos, sentados no meio fio da calçada. São todos muito educados, sempre brincalhões. Riram quando eu disse “cuidado com o corona, hein!!?”. Era um grupo de seis pessoas, todas dividindo e tocando copos e garrafas em comum. Nem é preciso dizer que o uso de máscaras ali era igual a zero. Um deles argumentou que só iriam usar aquele cantinho do quintal do amigo, enquanto acendia um fósforo na direção de uma pequena churrasqueira improvisada.